1.10.07

Fim





Vou-me embora, mas deixo os posts. Até à próxima!

5.6.07

Sortido: Nada

Este mês, na secção "Outros Cultos" tenho simplesmente zero. Nicles. Népia. NADA!

NaDa™ é um dos poucos softwares que faz precisamente aquilo para o qual foi programado, sem qualquer bug ou falha técnica. NaDa™ não acelera a placa gráfica. NaDa™ não toca MP3 nem reproduz vídeo. NaDa™ não altera os icones do computador. NaDa™ não crasha. NaDa™ é um programa que, simplesmente, não faz nada! E fá-lo muito bem!

Segundo os autores:

NaDa™ é um simples documento que o fará sentir-se bem consigo mesmo.
NaDa™ não ocupa espaço significativo no disco rígido, tendo apenas um byte.
NaDa™ não faz nada com extrema eficiência.
NaDa™ não rebenta com os ciclos do processador porque na verdade não está lá a fazer nada.
NaDa™ não utiliza memória.

Portanto, e resumindo, o NaDa™ é apenas um dos muitos programas que temos nos nossos computadores e que nunca usamos e que acabamos por nos esquecer deles. Só que o NaDa™ foi mesmo desenhado especificamente para ser esquecido. E só pela sua honestidade e pelo facto de, bem, não fazer nada, toda a gente devia fazer o download desta maravilha do Software moderno. Funciona perfeitamente em qualquer computador, sistema operativo e mesmo telemóvel.

O download pode ser feito na página oficial do produto (que é como quem diz, aqui).

1.6.07

Filmes: O Ninja das Caldas

Isto passou-se há muitos anos, quando entrei para o Ensino Superior pela primeira vez. A entrada para o ensino superior é uma altura muito crítica na vida do jovem adulto, em que tudo é novidade, e há um montão de pessoas diferentes para conhecer, e segredos para partilhar. No meu ano de caloiro foi-me partilhado um segredo muito bem guardado: um apartamento a cair de velho, por cima de um café frequentado por toda a escória de Leiria, onde as cenas de pancadaria se sucediam todos os dias. A renda era extremamente barata e a sala era suficientemente grande para poderem pernoitar 10 pessoas ao mesmo tempo, fora todas as outras espalhadas pelos quartos. Além disso, a casa ficava muito bem localizada, perto da escola e dos bares. Naturalmente, a casa do Colonial, como ficou baptizada, passou a ser o ponto de encontro de todos os meus amigos, conhecidos e mesmo pessoas com quem tivesse trocado um "olá" um dia. Numa altura em que o conceito de privacidade era uma miragem na minha própria casa, não era invulgar chegar à sala e deparar-me com cenas de sexo entre pessoas que desconhecia totalmente, e cheguei ao cúmulo de mandar embora uns 4 ou 5 marmelos que nunca tinha visto na vida, quando os mesmos me tocam à campainha com uma pizza e 3 garrafas de cerveja nas mãos... Bons tempos...

28.5.07

Discos: The Polyphonic Spree - The Beggining Stages of The Polyphonic Spree & Together We're Heavy

Mais do que uma banda, os The Polyphonic Spree são antes um cruzamento entre uma comunidade Hippie, um culto religioso e um grupo coral que ficou aprisionado dentro de um Peyote gigante nos anos 70, conseguindo sair para o mundo real apenas para ver nascer o novo Milénio.







Os Polyphonic Spree nasceram da mente de Tim DeLaughter, vocalista, ensaiador e única face visível e identificável do colectivo. DeLaughter havia feito parte dos Tripping Daisy até 1999, altura em que a banda implodiu com o falecimento do seu guitarrista. Em 2000, os membros sobreviventes dos Tripping Daisy foram convidados para abrir um concerto de Granddaddy. Em vez de reabrir feridas antigas, Tim DeLaughter e os seus comparsas dedicaram-se a criar uma nova banda que misturasse Rock Sinfónico com coros. À volta deste conceito juntaram-se 13 músicos, baptizados The Polyphonic Spree. Actualmente, o número de músicos ronda os 20-25, mudando constantemente face a disponibilidade das pessoas envolvidas.



A banda em si consiste num grupo coral com mais de uma dezena de elementos, complementado com guitarra, órgão, bateria, baixo, violino, trompete, theremin, harpa, teclados, trombone, ferrinhos, caixinha chinesa, reco-reco e todo e qualquer instrumento possível e imaginário. Com esta variedade de instrumentos, é de esperar que o seu som seja cheio e pormenorizado, pleno em harmonia, nunca deixando que o ouvinte se deixe levar por sentimentos mais negros, antes pegando-lhe pelos pulsos e soltando-os pelo ar. The Polyphonic Spree são uma celebração de alegria e bondade entre os homens, claramente radiosos numa época em que esses valores caíram em desuso. Lembram-se dos Up With People, nos programas do Júlio Isidro dos anos 80? The Polyphonic Spree faz lembrar a energia desse colectivo, mas com muito melhor gosto musical.



Além da banda sonora para Thumbsuckers (que teria sido composta por Elliott Smith, se o mesmo ainda fosse vivo), os Spree possuem 2 albuns de originais, com mais um na calha. Enquanto não é editado The Fragile Army (previsto para 19 de Junho), podem ir-se ambientando com os dois discos da banda, The Beggining Stages Of..., de 2002:







E Together We're Heavy, de 2004:







Ambos os discos são bastante coesos, ficando Together We're Heavy a ganhar por possuir uma produção mais cuidada e um som mais cheio. No entanto, em The Beggining Stages of... encontra-se aquela que é simplesmente a melhor música dos The Polyphonic Spree, o maior levantador de moral que tive de oportunidade de ouvir nos tempos mais recentes, uma pequena injecção de felicidade perigosamente extrema que na contracapa do cd se denomina como Section 9 (Light & Day/Reach for the Sun). A título de curiosidade, todas as músicas encontradas na discografia oficial dos Spree são baptizadas de Sections, como se cada secção formasse um todo, o que reforça ainda mais a ideia de coesão e continuidade. Por exemplo, o primeiro album termina com a Section 10 (A Long Day), enquanto o segundo arranca com a Section 11 (A Long Day Continues/We Sound Amazed).




Para os interessados em saber em que universo se move a música dos The Polyphonic Spree, o tempo investido em www.questfortherest.com é bem gasto. Este site consiste num jogo (estilo aventura gráfica) no qual Tim DeLaughter tem de encontrar a sua restante trupe. Este jogo (que se termina rapidamente, com muita pena minha) foi criado para promover Together We're Heavy, sendo que a banda sonora e o imaginário icónico está a cargo da banda.



27.5.07

Banda Desenhada: The Walking Dead

Rick Grimes é um polícia de província, casado e com um filho. Vivendo uma vida calma e recatada, Grimes é alvejado por um criminoso no único dia em que teve de disparar um tiro contra alguém. Algumas semanas mais tarde, Grimes acorda no hospital. Ao seu redor não existem outros pacientes. Não há enfermeiras nem médicos nos corredores. As crianças não brincam na rua. A sua família desaparecera. A casa do seu vizinho está ocupada por duas pessoas estranhas empunhando caçadeiras. E, por todo o lado, o cheiro a putrefacção emana. Rick Grimes perdera tudo na vida menos a própria vida, que está prestes a ser roubada por uma horda de mortos-vivos. Começa assim a melhor série de banda desenhada relacionada com zombies de sempre, The Walking Dead.







O autor é Robert Kirkman, grande fã de filmes de zombies, especialmente dos realizados pelo grande George A. Romero. Kirkman pega no universo zombie criado por Romero e expande-o, levando a que esta série seja uma homenagem a filmes como Night of the Living Dead e Dawn of the Dead (já aqui analisado há quase dois anos atrás), mas podendo também ser encarada como um relato de acontecimentos paralelos no mesmo enquadramento destes filmes. Kirkman, frustrado com o carácter definitivo dos finais da maioria dos filmes de zombies, criou The Walking Dead como um relato alargado do Apocalipse, no qual as suas personagens têm tempo para crescer e mover-se dentro do possível, sem a pressão dos créditos finais. Kirkman demonstrou interesse em que The Walking Dead durasse para sempre, mas como tudo acaba um dia, contenta-se por esticar a série até ao limite do aceitável. Por enquanto a qualidade da mesma está neste momento ao mesmo nível do seu início: Altíssima. O argumento é rico em voltas e reviravoltas, e a arte, a preto e branco, reduz algum impacto visual mais grotesco dando profundidade às personagens. Tal como uma novela, em The Walking Dead existe um equilíbrio de um acontecimento bom por cada 15 acontecimentos maus, que levam o leitor a pensar que mais poderá acontecer aquele bando de desgraçados.









Apesar de este ser um livro de zombies, o ponto fulcral de The Walking Dead não são os mortos. A atenção da série está quase exclusivamente virada para os vivos, com especial ênfase para as suas reacções face à catástrofe com que se viram obrigados a lidar e as suas estratégias de sobrevivência. É claro que por aqui se encontram sangue, tripas e corpos em decomposição, mas o mais importante da série é mesmo a evolução de cada personagem quando confrontados com a falta de comida e combustível, a neve do inverno, a procura de um local seguro para poderem viver, a gravidez, o nascimento e a perda de entres queridos. São os diferentes traços de personalidade que separam as pessoas dos mortos-vivos. Há de tudo, desde o polícia bom ao polícia mau, o casal americano xenófobo, o senhor de idade com as suas "sobrinhas", adolescentes suicidas, campónios que guardam zombies no celeiro enquanto a cura para a sua condição clínica não chega, assassinos... Pessoas boas, pessoas más, pessoas que fazem falta quando são devoradas num mundo onde claramente são uma espécie em vias de extinção.




Editado pela Image, The Walking Dead continua a sair regularmente para o mercado. Os TPB 1 até ao 6 estão disponíveis nas lojas de banda desenhada importada (os meus vieram da Ghoul Gear), e seguramente, mais ainda estarão a caminho. Leiam-nos com cautela e em doses pequenas se forem capazes: The Walking Dead é demasiado viciante para a saúde das nossas carteiras.

22.5.07

Livros: O Principezinho

Li O Principezinho pela primeira vez tinha eu 8 anos. Achei a história divertida, mas não lhe prestei muita atenção. Na altura gostava mais do Tio Patinhas do que de livros com muitas letras. Voltei a ler O Principezinho aos 16 anos, e fiquei aprisionado pela mensagem do livro. Passei a comprar O Principezinho compulsivamente, de tal forma que a senhora da livraria da minha terra já sabia ao que vinha quando entrava pela porta a dentro com uma nota de 5 contos ganhos merecidamente pelos meus serviços como servente de pedreiro, o meu primeiro emprego num belíssimo historial de exploração patronal. Ofereci O Principezinho a toda a gente que conhecia: Aos meus pais, ao meu irmão, aos meus amigos, às minhas namoradas, ao cão da vizinha. Cheguei a traduzir passagens do livro para Inglês (estupidez minha, já que este livro é o segundo mais traduzido no mundo, atrás da Bíblia) em cartas dirigidas a uma Belga que acabou por se tornar "só amiga". E no entanto, nunca possuí uma cópia daquele que é o meu livro favorito de sempre. Até que anos depois, já a febre d'O Principezinho passada e a mensagem esquecida, a minha mãe resolve oferecer-mo. "Deste este livro a tanta gente, é justo que o tenhas também", disse-me ela. Este post é escrito com a Dona Elisete Baratizo no pensamento. Obrigado, mãe!

10.5.07

Sortido: Borscht

Há uns longos e saudosos meses atrás, mais propriamente em Dezembro de 2006, o shôr psiquiatra aconselhou-me vivamente a tirar umas férias para descontrair longe de tudo e de todos. Como animal social que sou, convenci um velho amigo a vir passear comigo por aí, na sua Volkswagen modelo "Mil Novecentos e Oitenta e Poucos". Esse meu amigo convidou por sua vez uma amiga dele, que por força das circunstâncias acabou por se tornar minha amiga também. A amizade é uma doença contagiosa que se apanha uns dos outros.

As férias foram passadas no litoral Alentejano. Desses dias, recordo o frio que passámos, as conversas longas e interessantes, a vodka pura com duas pedras de gelo e uma rodela de limão, as cervejas com torresmos e aquela que ficou apelidada de Sopa de Bife com Natas, conhecida além fronteiras como Borscht.

O Borscht é um prato nascido na Ucrânia, e tradicionalmente associado aos países do Leste da Europa. Baseado fortemente na beterraba (que garante à sopa a sua característica cor-de-rosinha e um forte sabor a terra), um bom Borscht é o equivalente Kosovar à nacional sopa da pedra, pois à beterraba podem ser adicionados praticamente todos os ingredientes existentes. A receita altera-se de país para país, consoante a abundância de leguminosas e gosto gastronómico de cada nação. A título de exemplo, em Hong-Kong a beterraba é substituída por tomate, e na Polónia existe ainda uma variante de Borscht à base de farinha de centeio. Nos Estados Unidos (como não poderia deixar de ser), pode-se encontrar nos supermercados Borscht para Microondas.

Oficialmente, a variante Portuguesa desta sopa não existe. Atento a este grave problema, contactei a minha amiga de road-trip (Olá Sara!) para me escrever a receita daquela sopa que nos acarinhou o estômago e a alma. As restantes linhas são da sua responsabilidade:

Borscht à Portuguesa

- Para 3 pessoas (Sara, Jay e Carca) no meio do nada numa caravana com as condições mínimas de sobrevivência

Ingredientes:

- 1 frango pequeno
- 2 batatas
- 1 cenoura grande (ou 2 pequenas)
- 1 beterraba grande
- sal
- 1 pacote de natas
- 1 cebola pequena
- Azeite

Falar com o frango já depenado e dizer-lhe que ele vai servir para canja. Cozê-lo com sal em água suficiente para dar para 3 pratos de sopa para cada um dos esfomeados.

Descascar as batatas e cenoura aos quadraditos (nota: podem ser outros legumes….mas estes foram os que se arranjaram… com cogumelos também é fixe)

Assim que o frango estiver cozido, retirá-lo da panela e nessa água cozem-se os legumes.

O Jay desfia o frango e vai deixando uns perdigotos enquanto sopra para que seja tudo mais rápido porque estamos cheios de fome. A Sara vai descascando a beterraba e o Carca está no meio dos sacos-cama à procura de um ralador…

BABRUSNY….encontrado…

Faz-se um refogado e coloca-se a fritar a beterraba já raladinha… mexe-se até ficar naquele ponto que só nós é que sabemos..ai a fome!!!!

Juntam-se as natas à beterraba ainda ao lume e começamos a ver um espesso creme cor-de-rosa muito bem mexido porque a isto tudo se juntou muito amor e carinho.

Já com os legumes cozidos, à beterraba feita em creme junta-se tudo na panela e deixa-se estar a apurar, enquanto vamos provando de sal…

E já está!

Bom apetite!


Nota: E depois de se comer a sopa de Bife com Natas, os matchis ficam a beber cerveja enquanto a cozinheira lava a loiça e limpa a carrinha!

4.5.07

Filmes: Manos, The Hands of Fate

Quando um filme realmente muito mau aparece no cinema ou no circuito de DVD, muitos são os que lhe atribuem rapidamente a honra dúbia de pior filme na história da humanidade. Um claro exagero, pois, ignorando toda a subjectividade da questão, um filme nunca consegue ser tão mau que não haja outro pior para comparar. No entanto, esta questão tira-me o sono e arrasta-me numa espiral descendente de mau gosto e sofrimento, sempre tentando visionar aquele que será o pior filme, não de todo o sempre, mas de toda a minha vida. E perco realmente muitas horas a ver lixo, a procurar beleza em toda a série-B propositadamente má e em todo o embuste Hollywoodesco armado em bom. E peno nesta demanda pelo meu santo Graal. Mas sinto que estou prestes a encontrá-lo. Isto porque nunca vi nada tão horrivelmente e insultuosamente mau como Manos, the Hands of Fate, e não sei se depois desta experiência traumatizante, terei coragem para procurar alguma película que ultrapasse esta bosta inglória.



Devo confessar que já sabia naquilo que me estava a meter. Já adivinhava que este seria daqueles filmes que me iriam custar a ver até ao fim. Mas a curiosidade levou a melhor, claro. Caramba, se o próprio Quentin Tarantino possui uma cópia de Manos, the Hands of Fate em celulóide, o filme não pode ser tão mau quanto isso, certo?

Errado. Completamente errado! Este filme tem tantas falhas que nem sei por onde começar. Talvez pela figura de Hal Warren. O Texano Warren foi um vendedor de fertilizantes agrícolas durante toda a sua vida. Porém, Warren sonhava que a sua vida podia ser mais do que estrume e pesticidas. Warren queria ser uma estrela, um herói, alguém que as pessoas não ligadas à agricultura admirassem, desejassem, acarinhassem! Warren queria ser realizador de cinema! E apostou com um amigo que assim aconteceria, girava a terra no ano de 1966.

Prontamente, Warren concebeu o enredo. Uma família, pai, mãe, filha e cão, viajam sem destino pela América profunda (leia-se Texas). Depois de longas horas de viagem, acabam perdidos no deserto, vendo-se obrigados a pernoitar numa estalagem guardada pelo deformado Torgo, que passará a totalidade do filme a tremer, gemer maleficamente e repetir até à exaustão "The master would not aprove".

Torgo = Brad Pitt

O Mestre de Torgo viria a revelar-se ser uma criatura demoníaca, vestida de robe com umas grandes mãos vermelhas pintadas e um malvado bigode à Mariachi. O Mestre dormiria longas sonecas, guardado pelo seu harém de esposas defuntas. Com a chegada da família aos seus domínios as esposas discutem sobre o seu destino. Uma das esposas, supostamente a favorita do Mestre, manifesta-se claramente contra o assassínio da criança mais nova. Entretanto, Torgo tenta seduzir a matriarca da família. O Mestre acorda do seu sono de beleza e encontra o seu séquito envolvido numa terrível luta (na verdade, as esposas limitam-se a rebolar umas por cima das outras), e toma uma decisão: O pai e o cão têm os dias contados, a mãe e a filha serão suas mulheres. Não importa que a filha não tenha mais de 8 anos, o Mestre ama todas as mulheres (é o próprio que assim o afirma). O Mestre encarrega-se também de castigar a sua esposa preferida e o próprio Torgo pela sua desobediência, numa das cenas mais intensas do filme, em que o patrão e o subordinado se enfrentam violentamente (com toda a violência que o acto de fitar intensamente alguém sem piscar os olhos acarreta, claro).


Lairai, lararai lalarairai... Y viva España!


Pelo meio do filme haveriam também vários planos de um casal de adolescentes dentro de um carro na marmelada, sem nada de válido para acrescentar ao enredo. Só porque sim.


Rapaz: Cá estamos...
Rapariga: É a vida...
Rapaz: O que estamos aqui a fazer neste filme?
Rapariga: Ninguém sabe, é um mistério! Agora beija-me e ignora a claquete que ficou esquecida na margem direita deste plano.



Escrito o argumento, faltam os actores. Num golpe de génio, Warren contrata-se a si próprio para o papel de pai de família. Os restantes actores seriam encontrados em companhias de teatro locais e agências de modelos. O seu salário seria pago com as receitas do filme. Warren tornaria milionários todos aqueles jovens actores, tal era a sua confiança em Manos.

O processo de rodagem correria na perfeição. Warren havia adquirido uma câmara de 16mm, sem tripé, e que permitia apenas filmar 30 segundos de cada vez. É impressionante como se conseguem filmar 10 minutos de deserto na cena inicial do filme SEM SE PASSAR RIGOROSAMENTE NADA DE RELEVANTE! Isto porque Warren se esquecera de adicionar aos cactos e areia os créditos iniciais. Apenas um pormenor.

A iluminação de filme seria completamente natural. O que significa alterações de cores de um plano para o outro. E que significa também que as cenas filmadas de noite seriam iluminadas por faróis de automóveis. Faróis esses que atraem traças. Traças essas que passam todas as cenas nocturnas a embater contra os actores e a câmara. Apenas outro pormenor.

Uma câmara de filmar tão espectacular como uma 16mm sem tripé que filme apenas 30 segundos de cada vez teria de vir com um senão: a câmara não captava som. Warren teve de contratar todo um grupo de pessoas (3 ao todo) para dobrar o filme. Em mais um rasgo de genialidade, o próprio realizador resolve dobrar as vozes da maior parte das personagens masculinas do filme, utilizando sempre o mesmo tom de voz monocórdico, o que acabaria por transformar os diálogos em monólogos. Torna-se difícil de perceber quem está a dizer o quê quando estão dois homens em cena. Daí que os diálogos tivessem de ser reduzidos ao mínimo, apostando na repetição de falas para reforçar a ideia. Não resisto a fazer um resumo (alargado) dos diálogos do filme:

Pai: Estamos perdidos no Deserto.

Mãe: Vamos parar ali naquela casa sinistra.

Torgo: Não podem ficar aqui nesta casa sinistra. The Master would not aprove. Bem, afinal podem ficar.

Mãe: Aquele quadro é sinistro.


Van Gogh would not aprove.


Torgo: Não toquem no quadro. The Master would not aprove.

Cão: Béu béu.

Filha: Vou correr atrás do cão e perder-me no deserto a meio da noite.

Torgo: Espera. The Master would not aprove.

Pai: Vou atrás da filha. Olha uma cobra sinistra. Pum pum, pronto, matei a cobra a tiro.

Polícia #1: Vamos investigar a origem daqueles tiros.

Polícia #2: É melhor não nos afastarmos muito do carro. Está escuro como bréu e o carro não tem bateria suficiente para ficar muito tempo com os faróis acesos. Além disso, as traças estão-me a comer a roupa toda.

Torgo: Mulher, eu sei que The Master would not aprove, mas quero que largues o teu marido e fiques comigo para sempre!

Mãe: Larga-me, Torgo. És sinistro!

Esposa Favorita do Mestre: Salvemos a rapariga pequena e matemos os restantes.

Esposa do Mestre #4: Não, matemos toda a família!

Esposa Favorita do Mestre: Não, salvemos a pequena.

Esposa do Mestre #3: Não! Matamos todos e pronto!

Esposa do Mestre #2: Acho que para isto ficar resolvido teremos de rebolar por cima umas das outras.

Mestre: Silêncio, esposas! Eu fico com as duas recém-chegadas. Eu amo todas as mulheres, até as de 8 anos! Tu, esposa favorita, para te castigar pela tua desobediência, irei prender-te a um poste não fazer nada de especial contigo. A ti, Torgo, o teu castigo será ficar a olhar para ti sem pestanejar durante 2 minutos. Para veres como sou mau. Ah, e mais lá para a frente queimo-te uma mão!

Mulher: Ah, sinto-me sinistra!

Marido: Ah, sinto-me sinistro!

Filha: Ah, sinto-me sinistra e também ligeiramente explorada neste filme moralmente ambíguo!

Mestre: LOL (mas um LOL maléfico)!

Pai: Fiquei com o emprego do Torgo, enquanto a minha mulher e filha menor de idade satisfazem os desejos do Mestre. Entrem, forasteiros, mas fiquem sabendo que The Master would not aprove!

FIM


Com o filme concluído e as cenas editadas (vozes dobradas, créditos finais e já está), Manos, the Hands of Fate estreou com pompa e circunstância em El Paso, Texas. O realizador e actores chegaram à estreia de limosine e fato de gala. Com o orçamento cada vez mais apertado, os fatos tiveram de ser alugados e a limosine daria várias voltas ao quarteirão, apanhando o elenco e equipa técnica ao ritmo de 4 pessoas por viagem, para que ninguém envolvido nesta mega-produção chegasse a pé à estreia. O filme começa a rodar, a antecipação cresce. Momentos de silêncio. Seguidos de momentos de indignação. Seguidos por momentos de perplexidade. Seguido por um longo momento de gargalhada geral até ao final da película. A meio da projecção, realizador e actores já haviam saído pela porta dos fundos, cobertos de vergonha e humilhação.

Para aumentar ainda mais o mito em torno de Manos, The Hands of Fate, uma curiosa sucessão de eventos trágicos envolveram grande parte da equipa associada a este épico. O realizador caiu em desgraça e cometeu suicídio (consta que andou permanentemente pedrado durante a rodagem de Manos, o que desculpabiliza em parte a falta de coerência entre cenas, planos e diálogos). Alegadamente, 3 das "actrizes" faleceram também pouco depois da estreia de Mãos, as mãos do destino, prova final e irrefutável de que afinal o arrependimento mata mesmo.

Resumindo: Manos é longo, chato, com diálogos monossilábicos intercalados com grandes planos de caras inexpressivas, mal filmado, mal dobrado, mal editado. Tudo de mau. Inacreditavelmente mau. Não sei se este é o pior filme de todos os tempos, mas nenhum outro alguma vez me conseguiu arrancar tantos "como é possível?" da minha boca e seguramente depois desta experiência prefiro arrancar a planta do pé esquerdo com uma tesoura a ter de voltar a ver isto. Estou satisfeito e finalmente conseguirei dormir descansado! Obrigado, Hal Warren!


Trailer (remake):

26.4.07

Discos: Regina Spektor - Soviet Kitch

De origem Russa, emigrada para os Estados Unidos em pequena, judia praticante, pianista com educação clássica, punk na atitude, eis Regina Spektor.







Regina Spektor nasceu em Moscovo, em 1980, onde viveu até 1989, altura em que se deu a Perestroika. A partir desse momento, o clã Spektor deixou a pátria-mãe e viajou pela Austria e Itália até assentar no típico bairro Nova-Iorquino do Bronx. Aqui, Regina começou a desenvolver a sua técnica de piano, ao mesmo tempo que criava músicas e letras que raramente eram transpostas para papel e pauta.



A sua estreia discográfica dá-se em 2001 com 11:11, um disco autoproduzido distribuído praticamente apenas nos seus espectáculos. Seguiu-se Songs, em 2002, que conheceu o mesmo destino. Em 2004, o album Soviet Kitsch foi promovido numa tour conjunta com The Strokes, o que garantiu o aumento da base de seguidores desta menina, até que em 2006 o seu album Begin to Hope invadiu finalmente o mainstream, valendo-lhe o reconhecimento como artista e song-writter que tardava em chegar. Hoje em dia, Regina Spektor é um nome a ter em conta na chamada corrente musical anti-folk, com todo o mérito.



Destaco da sua discografia o album Soviet Kitsch, de 2004, unicamente por ser o meu preferido e aquele que me agarrou primeiro (não tirando com isto valor aos outros discos de Regina).







Soviet Kitsch, o terceiro registo discográfico de Regina Spektor, é um album honesto e simples. Tirando um ocasional arranjo de cordas numa ou noutra música, uma guitarra e bateria completamente fora de tempo na canção Your Honor e uma baqueta batendo violentamente numa cadeira em Poor Little Rich Boy, o que aqui encontramos é uma menina reguila com a sua voz, o seu piano e as suas histórias para contar.



As músicas deste album encerram pequenos contos, com muito non-sense, brincadeiras com sinónimos e referências literárias e bíblicas. Um exemplo dessa capacidade teatral encontra-se na faixa The Ghost of Corporate Future, que conta a história de um homem desprovido de valores que de repente ganha uma alma e se descalça em plena rua a cada oportunidade. Já em Chemo Limo, ouvimos o relato de alguém com um cancro terminal que gasta o dinheiro dos seus tratamentos num último passeio de limosina. As influências judia e Russa encontram-se meio camufladas nas suas composições, assumindo-se no entanto na soberba The Flowers, que evolui de uma peça de música quase considerada erudita para a festa de uma "Hava Naguila".



Soviet Kitsch é um album que, pese a sua simplicidade, poderá soar estranho e pouco apelativo ao ouvinte ocasional. A amplitude vocal de Regina, que pode ir do som mais agudo ao mais grave em milésimas de segundo, bem como os grunhidos, zumbidos e murmúrios tornam cada música deste disco única e imprevisível. Mas, uma vez que a sua música ganha um lugar dentro de nós, torna-se muito difícil abandoná-la. Fica, cresce, evolui e eleva-nos. Agora que finalmente foi editado na Europa, Soviet Kitsch é um album a descobrir com urgência.




24.4.07

Banda Desenhada: Completely Pip & Norton

Dave Cooper é um reputado artista, conhecido pelos seus quadros anti-eróticos de mulheres obesas com grandes dentes. Gavin McInnes é um indivíduo que deveria estar preso e considerado inimigo nº1 da moral e bons costumes. Em vez disso, fundou a Vice Magazine, uma revista gratuita dedicada às artes independentes, tendo publicado interessantes guias para a vida moderna como Bukkake On My Face: Welcome to the Ancient Tradition of the Japanese Facial e The Vice Guide to Eating Pussy . Dave Cooper providencia a arte para o argumento (?) de Gavin McInnes, neste extravagante Completely Pip and Norton, volume 1 (uma colecção no total de um volume).







Completely Pip And Norton inclui uma recolha de tiras humorísticas de qualidade variável originalmente impressas na infame Vice Magazine, e três histórias completas. Na primeira, a dupla tenta inventar esquemas com o intuito de angariar fundos para a obtensão de um brinquedo de seu nome Rondo's Spinning Buddha With Flaming Zycrobe Action And Patented Spin-O-Rama Rotation, esquemas esses que passam pela abertura de um restaurante para cães e pela venda de limonada.







Na segunda história, Pip decide calçar as peúgas de Norton, e como consequência da elevada toxicidade do chulé humano, perde toda a carne do rosto. Um cientista megalómano, Dr. Vlad, persegue os dois amigos para lhes roubar as meias, itens fundamentais para o domínio planetário. Na derradeira história, Pip, um eterno apaixonado por Barbra Streisand, logo após ser libertado da prisão por alegadamente se recusar a alistar-se para combater na guerra contra Portugal, assassina uma velhota e esconde-a debaixo da almofada da amada para conquistar o seu afecto.



Tanto o estilo artístico e humorístico como as características de Pip e Norton são claramente inspirados em Ren & Stimpy, apesar de Ren ser um gato e Stimpy um Chihuahua, enquanto que Norton é um humano flutuante e Pip é uma... coisa. Porém, Dave e Gavin levam a experiência até ao limite do aceitável, utilizando toda uma paleta de cores berrantes totalmente diferentes de quadradinho para quadradinho, alterando o lettering dos diálogos frequentemente, incluindo vinhetas totalmente escritas em Coreano, usar e abusar dos fluidos corporais... Ler Completely Pip And Norton é uma experiência perturbadora e surreal (no sentido Acid Trip da coisa), como se estivéssemos a ler um desenho animado. Nunca pensei que piadas escatológicas pudessem vir em tantas cores e feitios. Uma leitura divertida, para mentes pouco impressionáveis e estômagos fortes.



Mulheres obesas com dentaduras avantajadas em www.davegraphics.com

Insanidade em
http://www.viceland.com

23.4.07

Livros: Woody Allen Prosa Completa

Gostava de escrever sobre outros géneros literários. Gostava de conseguir escrever sobre o Moby Dick e o Guerra e Paz. Gostava de escrever sobre o Kafka (um dia aventuro-me). Gostava de escrever sobre a gloriosa Laranja Mecânica do Anthony Burgess e de como o livro está a anos-luz do filme (para melhor). Mas o que acontece é que ultimamente só tenho lido livros assumidamente humorísticos, com potencial humorístico mesmo sem o ser (alguém leva a sério o livro do Rambo?), sobre humor e infantis. É o que compro e o que mais prazer me tem dado a ler. Eu, que até sou considerado um tipo com mau feitio. Os meus colegas de trabalho apelidam-me carinhosamente de "besugo trombudo".



Posto isto, e visto que hoje se comemora o Dia Mundial do Livro, este mês levam com um livro de humor escrito por um realizador de cinema, e para o mês que vem levam com um livro infantil. Para não quebrar muito a rotina.



O livro deste mês chama-se Woody Allen Prosa Completa, e foi escrito por Woody Allen, que é o senhor que se encontra na fotografia abaixo:







Woody Allen Prosa Completa reúne num só volume as três colectâneas de humor do afamado músico/cineasta/actor/escritor/dramaturgo: Para Acabar de Vez com a Cultura (Getting Even, de 1971), Sem Penas (Without Feathers de 1975) e Efeitos Secundários (Side Effects, de 1980), num total de 52 histórias curtas, peças de teatro, correspondência fictícia e entradas enciclopédicas fantasiosas.



Impregnada pelo neurótico non-sense que caracteriza Mestre Allen, esta antologia deve ser obrigatoriamente digerida em doses muito pequenas, de modo a se poder apreciar com calma todos os pormenores e devaneios presentes em cada texto.



Destaco, em Para Acabar de Vez Com A Cultura, a peça de teatro A morte chama, em que um senhor engana a morte vencendo-a num jogo de cartas. Em Efeitos Secundários, o destaque vai para O homem mais superficial do Mundo, um relato sobre um indivíduo que evita a todo o custo visitar um seu amigo moribundo no hospital, até ao dia em que o faz e se apaixona por uma enfermeira, passando a visitar o amigo mais por egoísmo do que por compaixão. Em Sem Penas, ressalva para Se os impressionistas tivessem sido dentistas, um troca de correspondência entre o afamado dentista Vincent Van Gogh e o seu irmão e patrocinador Theo.



Deixo-vos com um excerto, também de Sem Penas, de um texto intitulado Fábulas fantásticas e animais míticos:



O grande «roe»



O grande roe é um animal mitológico com cabeça de leão e corpo de leão, mas sem serem do mesmo leão. O roe tem fama de dormir mil anos para depois surgir em chamas, especialmente se estava a fumar ao deitar-se.



Diz-se que Ulisses acordou um roe aos seiscentos anos, mas este mostrou-se apático e mal-humorado, pedindo-lhe que o deixasse ficar na cama mais duzentos anos.



O aparecimento de um roe é geralmente considerado coisa nefasta e costuma anteceder um tempo de miséria ou a notícia de uma festa de sociedade.

20.4.07

Tascas: Feio

No capítulo da venda de comida em roulottes, várias são as que fizeram história. O omnipresente "Psicológico" já foi responsável por centenas de casos de intoxicação alimentar, e a qualidade extrema dos pães com chouriço servidos no Setubalense "Furgão" é já lendária. O acto de "fazer a cama ao estômago" é um automatismo do late-night Português.

Em Leiria, a roulotte que mais se destaca sobre a concorrência dá pela designação de Feio. Num genial golpe de marketing, o proprietário resolveu transformar as suas fraquezas em forças, utilizando o facto de ser um indivíduo nada favorecido pelos padrões actuais da beleza para projectar o seu negócio. Para além desse factor, a qualidade, quantidade e variedade dos seus produtos (nomeadamente a picanha e a bifana grelhada) garantem a estes senhor quantidades avultadas de clientes noite após noite.

Iluminado, este génio da carne com pão lançou recentemente um novo e inovador serviço, tornando-se sem sombra de dúvida no maior Rei da Bifana que a cidade do Liz alguma vez teve!

Quem frequenta roulottes de bifanas às 4 da manhã sabe bem o que custa arrastar-se até casa com um belo naco de carne, pão e molhos sortidos alojados no estômago, especialmente depois de uma noite intensiva de bebidas de teor alcoólico elevado. Não poucas vezes, o bolo alimentar acaba espalmado no passeio, inglórios 5 euros mal gastos para serem regurgitados sem apelo nem agravo.

Atento às necessidades do jovem frequentador de vida nocturna e do estudante que queima as pestanas a jogar Battlefield e Medal of Honor estudar até às tantas, o Feio resolveu criar um novo e revolucionário serviço: o TELEFEIO!!!!!!!!


O flyer está rasurado e sujo de ketchup. Foi o que se pode arranjar.

Exactamente, o Telefeio! A bifana personalizada, sem custos adicionais, entregue ao domicílio em 20 minutos e com os molhos colocados à vista do cliente! Se temos a comida chinesa e a pizza entregue em casa, porque não também a bela da lusitana bifana? Feio, sério candidato a empresário do ano! Quem não gostaria de ter uma telebifana na sua cidade/vila/aldeia/lugar?

16.4.07

Filmes: 300

Na categoria cinéfila de adaptações de banda desenhada, dois dos maiores gigantes da 9ª Arte têm tido percursos muito diferentes. Os filmes baseados nas obras de Alan Moore, talvez porque o mesmo sempre se opôs vigorosamente a estas adaptações, situam-se regra geral entre o fracasso de bilheteira (quando adaptados literalmente) e o sucesso relativo (quando alterados de forma tão radical que se torna difícil encontrar paralelos entre a banda desenhada e a sua consequente adaptação). No entanto, Moore é um genial argumentista de banda desenhada, tido como quase cinematográfico na sua escrita.

O percurso de adaptação da obra de Frank Miller ao cinema é bem diferente. Quando os filmes são vagamente baseados na sua obra (relembrando os horríveis flops de Daredevil e Elektra), o resultado final alterna entre o enfadonho e o asqueroso. Porém, as adaptações mais fiéis do seu espólio artístico resultam em grandes filmes. Veja-se o exemplo do mais recente filme de Batman, baseado na sua graphic novel Batman: ano I. Veja-se o aclamadíssimo Sin City. E veja-se agora (no cinema, se possível) o mais recente 300.



300 narra com contornos de lenda fantástica os acontecimentos reais da batalha de Thermopylae, onde Leónidas I, Rei de Esparta, contando apenas com a sua guarda pessoal de 300 soldados e alguns aliados de outras cidades-estado gregas, procura impedir a invasão persa comandada pelo Imperador Xerxes e o seu grandioso exército.

Filmado essencialmente em bluescreen, 300 captura na perfeição os cenários e planos incluídos na obra de Miller. Nota especialmente alta para a caracterização. Gerard Butler e Rodrigo Santoro são perfeitas aparições em carne e osso de Leónidas e Xerxes, respectivamente.



Completando a experiência cinematográfica, esta adaptação conta com novos elementos originalmente ausentes da Graphic Novel original, mas com alguma pertinência histórica, nomeadamente sobre a importância das mulheres na sociedade Espartana. Gorgo, a esposa do rei Leónidas, praticamente ausente na banda desenhada, possui aqui um papel de relevo pelas suas acções diplomáticas junto do senado Espartano, sendo a frase "Apenas as mulheres Espartanas dão à luz homens" atribuída historicamente a esta rainha. Outra citação directa, "Volta com o teu escudo ou em cima dele", é geralmente aceite como despedida das esposas de Esparta aquando da partida dos seus maridos para a guerra.

300, o filme, é um épico à antiga, deixando passar um certo sentimento camp após o seu visionamento. A grandiosidade das batalhas e os relatos de engenho, crueldade e coragem da falange Espartana, à mistura com a relação intensa entre o Rei Herói e o Rei Vilão e os aspectos mitológicos introduzidos levam-nos aos filmes históricos de antigamente. A brilhante realização de Zack Snyder arrasta as nossas mentes directamente para dentro da acção do filme, fazendo-nos por momentos sentir o aroma do sangue e o peso dos escudos. 300 faz-nos sentir Espartanos durante praticamente duas horas. Um mimo para fãs de banda desenhada, um excelente filme para todos os outros.



Trailer:

17.3.07

Discos: Arcade Fire - Neon Bible

É mesmo necessário explicar quem são os Arcade Fire?



Biografia resumidíssima: Arcade Fire é uma banda canadiana (do Quebec), de 7 elementos. Formados em 2003, a banda desde sempre apostou em criar a sua própria sonoridade, incluindo nas suas composições, além da costumeira guitarra/baixo/bateria, dois violinistas, acordeões, xilofones, percussões variadas e tudo o mais. Esta mistura granjeou-lhes o afecto do público e a rendição da indústria discográfica e dos seus pares. David Byrne e David Bowie são fãs assumidos da banda. Funeral, de 2004, foi considerado quase unanimamente como o melhor album daquele ano. Houve quem arriscasse considerá-lo o melhor album da década! O Hype entretanto começou a desaparecer, e heis que somos brindados este ano com o segundo disco de Arcade Fire, intitulado Neon Bible.




Neon Bible, impressões e sensações:


Faixa #1: Black Mirror - Ressaca de uma festa que dura para lá da sua vitalidade. Cansaço, demasiadas horas a beber e poucas a dormir. O corpo arrasta-se, mas ainda tem força para só mais uma música. Explosões de energia sacodem o corpo do transe. Bom início.


Faixa #2: Keep The Car Running - Uma das faixas mais poderosas de Neon Bible. O carro já está em andamento, não abranda, e somos obrigados a arriscar a vida para poder apanhar a boleia. É bom estar vivo!


Faixa #3: Neon Bible - Uma paragem calma para recuperar o fôlego. Curta, e no entanto significativa. Continuamos a viagem ou ficamos aqui à porta do adro?


Faixa #4: Intervention - Órgãos de igreja envolvem-nos, e a música aumenta, num crescendo demoníaco. Vontade de gritar, chorar e rir, tudo ao mesmo tempo. Montanha russa de sentimentos. Experiência religiosa. É isto Arcade Fire! Quem não se deixar levar pela força de Intervention não tem coração.


Faixa #5: Black Wave/Bad Vibrations - A música 2-em-1. Primeira parte, alegria podre. Jean-Michel Jarre actualizado, com mais memória RAM e um disco de 500 gigabytes. Depois, plim plam pum, segunda parte, um baixo anuncia trovoada, e uma nuvem negra invade o leitor de cds. Escura como a peste, arrasta-nos para a faixa seguinte...


Faixa #6: Ocean of Noise - A canção de Neon Bible. O amor no meio do mar. O fim é o início e o início é o fim. Lei da vida. Dançar agarradinho. Mentiras e violência embaladas ao sabor das ondas. A melhor razão pela qual se deve ouvir as músicas de Arcade Fire até ao fim. This time we'll work it out. Bonita.


Faixa #7: The Well And The Lighthouse - Maratona vertical. Sair do fundo do poço só com a força dos punhos. Claustrofobia, necessidade de oxigénio. A luz na boca do poço oscila. Está quase... Ar! Cá fora, os vaga-lumes dançam a valsa dos amores na noite mais escura de sempre. É bom estar vivo, parte 2.


Faixa #8: Antichrist Television Blues - Martelar contra a parede. Ritmo intenso. Troca de braço, que este já dorido. Recomeça. Mais forte, que o prédio tem de ficar pronto amanhã. Aumenta o ritmo. Prende os braços atrás das costas e bate com a cabeça. Grita de dor. Continua. Tem de ser. Don't wanna work in a building downtown. Mas não há outra hipótese. Nervos à flor da pele. Excelente.


Faixa #9: Windowsill - Olhar para fora é sempre mais fácil do que olhar para dentro.


Faixa #10: No Cars Go - Bem reciclada do EP de estreia. Mais forte, mais rápida, mais cuidada e trabalhada. Agora, com a ajuda de coros militares! A cortina de ferro já caíu, mas de ferrugem nem sinal.


Faixa #11: My Body is a Cage - Intensidade. Mais órgãos de igreja, desta feita apontando alto para a transcendência. Set my spirit free...


Veredicto: Neon Bible não é melhor do que o seu antecessor. Mas também não é pior. É simplesmente diferente, e poderá não agradar a todos os que veneraram Arcade Fire anteriormente. Mas agradará a muitos outros que nunca lhes prestaram grande atenção. Neon Bible não desilude quem não se deixa iludir com mais do mesmo, elevando à estratosfera as expectativas para o terceiro album. Estará no final do ano entre os melhores de 2007. Desde 5 de Março que poderia estar nos vossos lares. Deixem-se de downloads ilegais (a tentação é grande, e eu também não fui capaz de resistir) e dirijam-se ao vosso botequim discográfico favorito. Eu assim o farei quando puder...

16.3.07

Banda Desenhada: Lost Girls

Um regresso a Alan Moore, desta feita com um bonito relato sobre amor real e pornografia ilustrada.

Em 1991, Alan Moore iniciou mais um projecto rodeado de controvérsia. Inicialmente aliciado pela revista Taboo, o escritor aliou-se à pintora Melinda Gebbie, com o intuito de criar uma banda desenhada pornográfica. Moore, com era seu hábito, escreveu prontamente o argumento completo. Gebbie não se adaptou a desenhar sobre uma história já completamente definida, preferindo criar à medida que as personagens se desenvolviam, e não pintar sobre o trabalho dos outros. O génio criador de Moore encontrara finalmente quem lhe fizesse frente. Subjugado, não teve outro remédio senão jogar pelas regras de Gebbie. O projecto arrasta-se então por longos e penosos anos de pesquisa sobre histórias infantis e posições sexuais, com aulas práticas à mistura.

15 anos depois, Alan Moore e Melinda Gebbie estavam casados.

16 anos depois, é finalmente editado Lost Girls.



No início da primeira guerra mundial, três mulheres encontram-se por acaso num hotel Austríaco. Dorothy Gale, uma jovem adulta, a trintona Wendy Darling e a idosa Alice Fairchild. Face a monotonia do lugar, as três senhoras iniciam uma troca de relatos aventurosos sobre as suas experiências sexuais prévias. Dorothy conta da sua desvirginação às mãos de três fazendeiros, aquando da passagem de um furacão pelo seu Kansas natal. Wendy relembra as suas aventuras com um pequeno sem-abrigo de seu nome Peter Pan, líder de um gang de inadaptados chamados Lost Boys. Alice, a mais experiente do grupo, seduz as suas companheiras com as suas façanhas bisexuais aos 14 anos, num longínquo país de maravilhas.

Bem para além da perversão (cuidada e completa com referências às obras originais) submetida a estas personagens do imaginário popular, está o trabalho artístico de Lost Girls. Cada relato é ilustrado com um conjunto de paletes de cores e estilo de vinheta diferentes. Os paineis de Alice, bem coloridos, são em forma de espelho oval. Os de Wendy são escuros, altos, reprimidos e vitorianos. Os de Dorothy são amplos e em tons de pastel. A atenção ao detalhe peca apenas por ser algumas vezes demasiado gráfica.

Censurado em diversos países pelo seu conteúdo chocante e provocador, Lost Girls foi no entanto justamente louvado pela crítica especializada. Este esforço conjunto do casal Moore/Gebbie poderá ser mais facilmente encontrado em Portugal do que no próprio Reino Unido, onde a obra foi vetada pelas autoridades responsáveis pela moral e bons costumes. Recorram às encomendas em lojas de banda desenhada de importação, sem problemas de consciência.

13.3.07

Livros: Rambo, a Fúria do Herói II

Rambo. John Rambo. O homem. O soldado. A máquina de guerra. O herói de 3 blockbusters (com mais um a caminho). Rambo, o ícone! Rambo, o duro! Rambo, o... livro?



"Quando Rambo deixou as sombras do hangar, com o corpo musculoso em silhueta, devido à luz do Sol, abrindo a extremidade do tubo e preparando-se para praticar, Murdock virou-se para Trautman e abanou a cabeça, duvidoso.

- Coronel, tem a certeza de que ele não está ainda perturbado pela guerra? Aquela piada que ele fez acerca do pára-quedas. E ele está realmente... Eu nem Acredito. Quero dizer, tenho mesmo as minhas dúvidas... Mais interessado num arco e flechas do que num lança-granadas ultra-sofisticado. Não podemos dar-nos ao luxo de envolver alguém que possa desvairar, sob pressão, em território hostil.

- Pressão? - Trautman pareceu ter ficado estupefacto. - Pensei que tinha estudado a ficha dele, que sabia tudo sobre ele. Ele é o melhor soldado de combate que eu já vi. Mesmo em Bragg, durante o treino, era óbvio que ele seria um sucesso. Um génio. Tem um instinto para a luta e, neste momento, um único desejo: ganhar uma guerra que outros o forçaram a perder.

- Coronel, vá lá, o senhor desaponta-me. Espero que não vá voltar àquela velha piada de o Governo segurar os braços dos militares para não poderem ganhar.

- Houve mentiras. E morreram bons homens por causa disso. E outros bons homens estão ainda prisioneiros, por causa disso. E Rambo... Bem, se ganhar agora significar que tem de morrer também, ele morrerá. Sem medo. Sem ressentimentos. Isso, mais do que qualquer outra coisa, torna-o especial. Desvairar, sob pressão? Nem pensar. Porque, Murdock, aquilo a que você escolheu chamar território hostil...

- Sim? Que tem?

- Ele chama-lhe lar."

Ao que parece, David Morrell escreveu há muitos anos atrás um livro, de seu nome First Blood. O livro retratava o regresso de um antigo soldado Norte-Americano da guerra Vietnamita ao seu país de origem, e a sua impossibilidade de se readaptar. O livro, aclamado no ano da sua edição, terminava com a única solução possível para um homem treinado apenas para a guerra e sem qualquer hipótese de fuga numa sociedade em paz: a sua própria morte.

First Blood foi adaptado ao cinema. Sylvester Stallone encarnou a personagem do soldado falhado, John Rambo. James Cameron realizou. O filme foi um sucesso. A personagem principal não morreu no final como devia ter acontecido. Tinha de haver uma sequela. David Morrell, incapaz de parar a máquina de Hollywood, procurou encontrar uma solução alternativa para manter os direitos sobre a sua personagem, entretanto morta-viva tal como um zombie. A sequela do livro (e do filme) dava pelo título Rambo, A Fúria do Herói II.

O problema principal reside essencialmente aí. Rambo havia morrido no livro. Se David Morrell tivesse tido juizo, não tinha vendido os direitos de First Blood para Hollywood. A sequela funciona como um remendo com pouca cola e convicção.

"Depois da sua guerra privada contra o xerife de uma pequena cidade, Rambo está na prisão; quando o coronel trautman, seu ex-comandante, lhe propõe uma missão que para a maioria dos homens seria suicídio, Rambo aceita.

Terá de penetrar na selva do Vietname e encontrar camaradas que ainda lá estão a ser torturados. Não deve trazê-los de volta, mas apenas fotografá-los. Não se pode vingar.

Para Rambo, a primeira missão é difícil. A segunda, impossível..."


Rambo, o livro, é tão esquecível quanto o segundo filme. E então, qual é o intuito de trazer este tema à baila? Simples!

O SACANA DO LIVRO FICA MUITO BEM NA ESTANTE, CARAÇAS!

Verdade. Primeiro, quantos livros do Rambo existem? E quantas pessoas se deram ao trabalho de adquirir um livro do Rambo em Portugal? Segundo, os níveis de comicidade que uma passagem aleatória deste livro atingem quando lidos na casa de banho. Terceiro, qual não é a moçoila que não fica impressionada pela virilidade de um gajo que tem um livro do Rambo na prateleira?

Rambo, A Fúria do Herói II não será um bom livro... Na verdade, nem sei se uma coisa destas possa ser considerada livro. Mas lá que dá um ar másculo à estante e impressiona as babes, lá isso é indiscutível! Veja-se o seguinte diálogo, totalmente verídico (coff, coff) entre a minha pessoa e uma amiga de circunstância:

- "Ai, ai, ai, tantos livros! O menino bem comportadinho gosta tanto de ler, não é?"

- "Sim, mas repara... Tenho o livro do Rambo..."

- "Possui-me já aqui neste chão imundo, minha besta carnuda!"

Ah pois é...

26.2.07

Sortido: LIDL

(agradecimento ao compincha W. pela sugestão)

Hoje, no Contraculturalmente...

Tudo o que sempre quis saber sobre o LIDL e nunca se atreveu a perguntar!

A cadeia de supermercados Lidl como a conhecemos hoje teve a sua origem na Alemanha, nos idos anos 70. Ditam os livros de história que o primeiro supermercado Lidl foi formado por um antigo professor de seu nome Ludwig Lidl. Na altura, Lidl (o professor) dedicava-se à venda de fruta. Um comerciante chamado Josef Schwarz, proprietário da Schwarz Lebensmittel-Sortimentsgrosshandlung, vendo ali oportunidade de negócio, uniu o seu império de carnes fumadas e peixe seco ao novo reino emergente de verduras e hortaliças. Nasce então a Lidl&Schwarz (abreviatura do menos orelhudo Lidl&Schwarz Lebensmittel-Sortimentsgrosshandlung), que em 1977 contava já com 30 supermercados de preços baixos e qualidade duvidosa. Actualmente, qual praga, existem mais de 5000 "líderes" espalhados por 17 países, especialmente na Europa.

(Interior de um Lidl na Alemanha. Descubra as diferenças)



O que distingue o Lidl dos demais supermercados? O preço? Todos apregoam terem os preços mais baixos, e os do Lidl são realmente baixos, mas nada de relevante. O aspecto? O facto de todos os Lideles serem iguais aqui ou na Eslováquia não abona muito a favor da cadeia... O Logótipo? Facilmente reconhecível a 10 milhas de distância, assim como o logótipo do Modelo ou do Pingo Doce... O jornal Dica da Semana? Salta da minha caixa do correio para o caixote do lixo. A disposição anárquica dos itens? Um ponto muito forte a favor da cadeia, mas que itens?

O valor do Lidl encontra-se nos seus produtos. E não falo dos pacotes de leite e garrafões de água de marcas já bem estabelecidas entre o público. Falo mesmo dos seus produtos. Dos produtos marca Lidl, e de produtos com nomes tão difíceis de pronunciar que se torna óbvio qual o seu local de proveniência, com natural destaque para os produtos alimentares.

Pérolas:

O gelado do Lidl:



As fatias de pizza do Lidl:


As bolachinhas vendidas ao quilo do Lidl:


O (entretanto desaparecido) Kebab do Lidl:


O novo arroz de pato do Lidl, o meu novo preferido:


A única e inimitável lasanha do Lidl (tão única e inimitável que não encontrei uma única imagem da mesma)

E a FIIIIINK BRÄUUUUUU!:


E o melhor é que tanto a lasanha como a pizza e o arroz de pato só necessitam de ir ao microondas, são pratos deliciosos (a lasanha é melhor que certas que comi em restaurantes "ditos" Italianos), baratos, e fazem um brilharete em dias de visitas-surpresa. Uma cadeia de fast-food só à base da lasanha é uma ideia a ter em conta... Lidl, o supermercado amigo do jovem inapto na cozinha!

Filmes: Kids

Quando somos adolescentes nada nos pode parar. Não há doença que nos deite abaixo e as guerras só acontecem na televisão. Não temos preocupações nem contas para pagar, e no entanto somos ingratos para quem nos proporciona essa vida longe de angústias e encargos. Temos direito a tudo e queremos tudo a que temos direito. Afinal, somos invencíveis, certo?



Kids, de 1995, é um pseudo-documentário sobre a juventude urbana dos anos 90 (não me parece que os adolescentes de hoje sejam muito diferentes). Filmado com handycams nervosas, acompanhamos um dia de um grupo de miúdos entre os 10 (!) e os 17 anos. As suas experiências relacionadas com sexo e drogas, violência gratuita (com uma das cenas de pancadaria mais brutais da história do cinema), engates, festas e mais sexo e drogas, num niilismo desprovido de valores que poderá parecer chocante de tão verdadeiro. O primeiro filme de Larry Clark é um trabalho realista e duríssimo, não aconselhado a todas as mentes, sendo esta uma constante nas demais criações deste fotógrafo/realizador.

O enredo de Kids é simples e eficaz. Telly, um skater adolescente, tem apenas uma objectivo no mundo. Desvirginar o maior número de raparigas que conseguir, tendo como desculpa que com virgens não se apanha SIDA. O que Telly não sabe é que ele próprio é portador de HIV, contribuindo grandemente para espalhar a doença. Jennie, uma das suas "conquistas", atravessa a cidade numa tentativa desesperada para o avisar desse facto.

Kids, que chegou a ser descrito como "um pesadelo de depravação" pelo antigo senador Norte-Americano Bob Dole, encontra-se com relativa facilidade em clubes de video. Há não muito tempo, saiu em DVD inserido na Série Y do Público, série essa que entretanto já se vende um pouco por todo o lado, desde tabacarias até mesmo à Fnac. Fácil de encontrar, portanto.



Trailer:

25.2.07

Discos: Cold War Kids - Robbers & Cowards

Um repositor de supermercado poderia tentar encaixar esta banda nos separadores Pop, Rock, Blues, até mesmo Gospel. Porém, não existe no panorama musical da actualidade nada que se assemelhe aos Cold War Kids, musical e artisticamente. Abençoado separador Indie!



Os Norte-Americanos Cold War Kids praticam, com o seu baixo pesado, piano desafinado, guitarra fora de tempo, muita bateria e percussão e uma voz que faz a espaços recordar Jeff Buckley, um tipo de música estranhamente viciante e orelhuda, quente e desconfortável ao mesmo tempo. A sua sonoridade é uma montanha russa musical e emocional, que nos eleva calmamente para depois nos descarregar sem travões pela encosta abaixo, atirando-nos enérgica e violentamente para a lama para nos lavar com um jacto de pressão logo de seguida.

Disco de estreia, Robbers & Cowards, de 2006.



Robbers and Cowards é um disco e ambiente denso e negro, sendo ao mesmo tempo de uma simplicidade crua que se vai complicando após repetidas audições. Como o título indica, o roubo e a cobardia são temas recorrentes nas letras de cada tema. A primeira faixa, We Used to Vacation, narra a história de um homem perdido na bebida, colocando a sua família em segundo plano. Passing the Hat fala de alguém que rouba esmolas à porta da Igreja. Saint John (a minha preferida) é sobre um assassino no corredor da morte, à espera de um perdão, apesar de ter feito justiça ao interromper a vida do violador da sua irmã. E a frase em Robbers, "robbing from the blind is not easy", diz tudo sobre a mesma.

Estranhamente (ou talvez não) o sentimento que passa de Robbers and Cowards, é o de uma banda de jovens honestos e criativos gerando música ao mesmo tempo que se divertem a tocar uns para os outros. É quase como ter o privilégio de poder entrar na sala de ensaios dos Cold War Kids e ouvi-los a brincar com sons e palavras como o fazem na sua estreia. Para ouvidos bem abertos.

Noutros assuntos, um EP ao vivo de seu nome Acoustic at the District poderá ser encontrado aqui. Não é tão bom quanto o album, e na verdade só comecei a gostar realmente dele depois de dissecar Robbers and Cowards. Um pitéu para quem já conhece Cold War Kids, dispensável para todos os outros.

24.2.07

Banda Desenhada: Big Guy and Rusty the Boy Robot

Estamos em Tokyo, cidade onde tudo acontece. Cientistas criam acidentalmente um Dinossauro falante de dimensões colossais que rapidamente espalha o caos na cidade, rebentando com tudo e todos, e criando com a sua saliva um exército de répteis apreciadores de carne humana. Cabe a Rusty e Big Guy, a maior dupla robótica de todos os tempos, parar esta ameaça para que a "suposta" capital Japonesa sobreviva para futuros ataques.



Big Guy and Rusty, the Boy Robot, um livro de Geof Darrow e Frank Miller é uma visão ocidental do mundo super-heróico Japonês, com todos os clichés. À invasão de Tokyo por um ser em tudo semelhante a Godzilla, respondem prontamente os governos Japonês e Americano com um pequeno andróide inspirado no clássico Astroboy e um típico robot gigantesco capaz de carregar duas bombas de neutrões debaixo dos braços.

A arte detalhada ao mais ínfimo pormenor de Darrow encontra na escrita violenta de Miller o casamento perfeito. A história, essa, assente simplesmente em destruição, destruição, destruição. E violência. E algum gore. E muito divertimento sem malícia. O ritmo da acção perde-se um pouco no estilo da arte, demasiado complicada para uma estória que se quer rápida e brutal. No entanto, longe de ser uma falha, este pormenor permite-nos sorver mais praseirosamente cada membro dilacerado, cada digestão reptiliana, cada explosão. Um pouco como fast-food e "slow food". Tudo bem que a fast-food alimenta e até poderá saber bem, mas não sabe sempre melhor uma boa refeição completa com sopa/prato/sobremesa/café?




Big Guy and Rusty the Boy Robot, editado pela Dark Horse, em dois volumes ou TPB. Para encomendar e recomendar.

23.2.07

Livros: A Morte Melancólica do Rapaz-Ostra & Outras Estórias

Nas dunas, pediu-lhe casamento,
à beira-mar se casaram.
Na ilha de Capri celebraram
esse tão grande momento.

À ceia jantaram um prato sobejo;
uma bela caldeirada de peixe e marisco.
E, enquanto ele saboreava o petisco,
no seu coração ela pediu um desejo.

O seu desejo tornou-se realidade: teve um bebé.
Mas seria um ser humano?
Pois é,
na verdade,
tinha dez dedos nos pés e nas mãos,
tinha visão e circulação.
Podia ouvir, podia sentir,
mas seria normal?
Isso não.

Este nascimento aberrante, este cancro, esta praga
foi o princípio e o fim de toda uma saga.

Ela zangou-se com o doutor:
"Esta criança, não é minha.
Cheira a maresia, a salmoura e a tainha."

"Olhe que tem sorte, ainda a semana passada
tratei de uma miúda com crista e rabo de pescada.
Se o seu filho é meio ostra
não me venha acusar...
...já pensou por acaso
numa casinha à beira-mar?"

Sem saber que lhe chamar,
chamaram-lhe Alves,
ou, às vezes,
"aquela coisa da espécie dos bivalves."

Toda a gente se perguntava, mas ninugém sabia
quando é que da concha o Rapaz Ostra saía.

Quando os quatro gémeos Lopes um dia o foram ver,
chamaram-lhe amêijoa e desataram a correr.

Num dia azarado,
Alves ficou encharcado
à esquina da rua Miramar.
Cabisbaixo,
viu a chuva rodopiar
pela sarjeta abaixo.
Na auto-estrada, a sua mãe,

à beira de um esgotamento,
esmurrava o painel dos instrumentos -
não conseguia conter
a dor crescente,
a frustração
que a fazia sofrer.

"Olha, querido", disse ela,
"isto não é para ter piada,
mas eu já não pesco nada
e acho que é do nosso filho.
Não gosto de o dizer, pois sou a mulher que te ama,
mas tu culpas o nosso filho pelos teus problemas na cama."

Ele bem se aplicou, com muito denodo;
tentou salvas e unguentos
que lhe faziam comichões,
tintura de iodo,
mezinhas e poções.
Coçou-se e sangrou e esmifrou-se todo.

Até que o médico diagnosticou:
"Eu não sei de ciência,
mas a cura do seu problema pode ser o que o causou.
Dizem que comer ostras aumenta a potência:
talvez se comer a criança
fique cheio de pujança."

Ele foi pela calada,
estava escuro como breu.
Tinha a testa suada
e nos lábios - uma mentira ensaiada:
"Filho, és feliz? Não me quero intrometer,
mas nunca sonhas com o Céu?
Nunca quiseste morrer?"

Alves pestanejou duas vezes
mas não ripostou.
O pai tacteou o punhal
e a sua gravata aliviou.

Pegando no filho ao colo,
Alves pingou-lhe a lapela.
Levando a concha aos lábios,
despejou-o pela goela.

Depressa o enterraram na areia junto ao mar
- uma prece rezaram, uma lágrima derramaram -
e para casa voltaram à hora do jantar.

A camp do Rapaz Ostra foi marcada com uma cruz.
Palavras escritas na areia
prometiam a salvação de Jesus.

Mas a sua memória perdeu-se numa onda de maré-cheia,

De volta à paz do lar,
ele beijou-a a arfar:
"Que tal uma rapidinha?"

"Mas desta vez", sussurrou ela, "quero uma rapariguinha."




A Morte Melancólica do Rapaz Ostra & Outras Estórias, escrito e ilustrado por Tim Burton, esse Edgar Allan Poe dos tempos modernos, pela primeira vez numa edição portuguesa de fácil acesso. Uma recolha de contos tradicionais saídos da mente de Burton, em brilhante tradução. Inclui, além da história do rapaz ostra, as lindas fábulas do rapaz nódoa, do rapaz torresmo, de Crispim, o hediondo rapaz pinguim, do rapaz com pregos nos olhos e da rapariga com olhos fora de série, entre muitas outras, num total de 23. É de guardar junto à mesinha de cabeceira para soninhos descansados, antes que seja tarde. Encontra-se (por enquanto) em qualquer livraria.