30.1.07

Sortido: Almanaque Borda D'Água

"Chamamos-lhe o Velho da Cartola. Era o homem que fazia as previsões. Este jornalito que traz debaixo do braço pensamos que vem do tempo em que se punha a informação à beira dos rios para quando chegavam os nossos navegadores terem notícias. O Velho da Cartola era o meteorologista da época e pendurava esta folhinha na margem do rio, com uns alfinetes ou umas molas. Assim terá nascido o Almanaque Borda d'Água". Narcisa Fernandes, sócia-gerente da Editorial Minerva.




Com praticamente 80 anos de existência, o Almanaque Borda D'Água é uma das mais antigas publicações Portuguesas em actividade. Geração após geração, milhares de Lusitanos ainda cumprem o ritual de adquirir nas bancas o velhinho Almanaque a um preço ainda relativamente simpático, impresso em papel ordinário que se torna amarelecido passadas poucas semanas, abrindo de seguida o canivete para separar as páginas cheias de ciência, mezinhas e sabedoria popular que continuam a vir teimosamente coladas umas às outras.

Hoje em dia, o Almanaque Borda D'Água enquadra-se na categoria a que eu gosto de apelidar "Literatura de Viagem de Curta Distância". É cada vez mais difícil parar num semáforo num dos nossos "grandes" centros populacionais sem sermos abordados por emigrantes de Leste que, mesmo sem saber ler nem falar o Português, nos tentam enfiar um almanaque pela janela das nossas viaturas. Perde-se no pregão, ganha-se em divulgação.

E no que consiste o maravilhoso Almanaque? Bonitas histórias da Disney? Lindas fotonovelas da Gina? Infelizmente não. Basta ler a capa para se saber exactamente com o contamos: "Reportório útil a toda a gente, contendo os dados astronómicos, cívico e religiosos e muitas indicações de interesse real." Ou seja, o Borda D'Água é Portugal em 24 páginas.

A edição de 2007 abre com um editorial relacionado com a situação no Médio Oriente, o perigo dos pesticidas e a necessidade de regressar à agricultura biológica. "Os governos e políticos, apesar de todo o seu alarido, passam, mas os agricultores continuarão trabalhando com suor e amor, abrindo as suas almas aos raios e brisas, unindo conscientemente o céu e a terra, gerando frutos belos e bons, e vendo e sentindo bem a omnipresença Divina na Natureza pródiga." Resumindo, só Deus e a agricultura biológica salvam!

Depois temos: Eclipses, festas e romarias, informações astrológicas, melhores alturas do ano para plantar abóbora e espinafre e batata e couve e todas as leguminosas, tabelas de marés, orações, um útil capítulo intitulado "Da Influência da Lua na Agricultura", e lindos ditados populares ("Não faças tanto caso das coisas pequenas que das grandes te olvides").

Destaque maior para a rubrica Manual de Sobrevivência, um texto que almeja a melhoria da qualidade de vida do leitor. Pérolas da rubrica:

- Sinais de reconhecimento de derrame cerebral: peça para sorrir, para levantar os braços e para dizer uma frase simples. Se houver dificuldades, dirija-se a um serviço de urgência;

- Cuidado com os alimentos rançosos;

- Tenha cuidado com o telemóvel no bolso direito ou junto do coração e carregue as baterias longe de si;

- Quanto mais amor der às plantas e animais, mais qualidade recolherá nos frutos e em si próprio;

- A melhor colheita é de manhã. Mas a do Amor humano e divino, a toda a hora, é para a Eternidade.


Na próxima edição da rubrica "Literatura de Viagem de Curta Distância", a revista Cais.

3 comentários:

  1. Já ouvi falar nele, mas a verdade é que nunca tive um Borda D'Água nas mãos e nem sequer vi um à venda. Não que tenha procurado, mas não vi.

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  2. sempre me fascinou a temática das bordas sejam a das águas sejam outras quaisquer

    É assim como naquele filme do polanski em que amocinha se passeia de barco com uma faca cortando água

    é qualquer coisa que de um momento para o outro está para acontecer "passar para lá da borda"

    é uma espécie de nem f*** nem sai de cima

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