16.7.05

Sortido: Berlenga

Existem pessoas que têm como destino de férias ideal uma semana na República Dominicana com tudo incluido, ficando 7 dias fechados num hotel com praia privada, ignorando que fora dos muros da unidade hoteleira as pessoas assassinam-se umas às outras por dá cá aquela palha.

Outras pessoas há que preferem os parques de campismo nacionais, seja a esterqueira de um avançado na Costa da Caparica, seja uma tenda montada na Praia da Galé.

Para mim, o meu destino de férias ideal é apenas e só a Ilha da Berlenga, alvo de veneração bairista por parte de muitos dos meus conterrâneos...



Situada a cerca de 10, 11 quilómetros de Peniche, o arquipélago da Berlenga é formado pelos Farilhões, pelas Estelas, Forcadas e pela Ilha da Berlenga. Durante todo o ano esta reserva natural encontra-se fechada ao público, mas na época balnear, as portas do seu parque de campismo abrem-se para quem quizer conhecer esta pérola perdida no Atlântico.

Tudo nesta ilha me traz excelentes recordações: A atribulada viagem de barco, com mais de metade das pessoas a largar engodo para os peixinhos do mar, os garrafões colocados estratégicamente ao sol para no final do dia termos água quente para nos banharmos, os longos passeios à volta da ilha, as visitas guiadas às grutas, os escaldões, as cervejas no bar quando a praia está à pinha, as sardinhadas oferecidas pelos pescadores, as bebedeiras e guitarradas até às 4, 5, 6 da manhã, adormecer com o cantar das pardelas, acordar com o grasnar das gaivotas, entre outros inúmeros pormenores demasiado pitorescos para serem lembrados aqui...


Este ano, compromissos profissionais impedem-me de visitar o meu destino ideal de férias. Porém, para os interessados, podem reservar lugar no parque de campismo no Posto de Turismo de Peniche, ou na sede da Reserva Natural da Berlenga. Procurem os números de telefone nas Páginas Amarelas. Duvido que ainda haja espaço nos próximos 15 dias, mas ainda ssim, não custa tentar. Até Setembro ainda vão a tempo.

12.7.05

Filmes: Dawn of the Dead

Sabem aqueles filmes que são tão maus, tão maus, que acabam por se tornar num clássico? Dawn Of The Dead é um desses filmes.

Parido da mente afectada do mestre George A. Romero, grande impulsionador dos filmes de baixo orçamento (denominados filmes de série B, por servirem de alternativa aos filmes de Hollywood) explorando a temática dos mortos vivos, Dawn of The Dead (o original, de 1978) é a sequela do também ultra-clássico Night Of The Living Dead(1968). Este filme tornou-se num ícone tão forte que até recentemente foi realizado um remake (nada mau, por sinal) e uma paródia!



O enredo: Depois de um ataque inexplicado a nível global por parte de Zombies, um grupo de 4 pessoas procura abrigo num centro comercial, apinhado, claro está, destes seres. Enquanto tentam sobreviver matando tudo o que se mexe, estas pessoas ainda têm tempo de ir às compras e jogar aos Space Invaders! O apelo ao consumismo é mais forte do que o instinto de sobrevivência, pelos vistos...

Como toda a gente sabe, um zombie só morre quando recebe um tiro na cabeça (é lógico!). É aqui que entra um dos pormenores técnicos que tornam este filme num clássico intemporal. Se pararmos a imagem no preciso momento em que um zombie recebe uma bala entre os olhos, podemos ver que o morto vivo não passa de um manequim de montra cheio de visceras de porco.



Outro pormenor engraçado é a caracterização dos zombies. Basta uma pessoa encontrada ao acaso na rua pintar a cara de cinzento (não vale a pena pintar os braços ou tronco, basta a cara) e está pronta para entrar num filme de George A. Romero!



A minha cena preferida deste filme é aquela em que um gang de motoqueiros resolve estragar a festa aos herois e decide pilhar o centro comercial. É vê-los a roubar tudo e todos os que encontram, incluindo zombies! Isso mesmo, os motoqueiros roubam joias aos zombies, e ainda lhes espetam com tartes na cara! É nesta altura que quem vê este filme pela primeira vez mete as mãos à cabeça e exclama “O que vai na cabeça deste realizador para meter motoqueiros a assaltar mortos-vivos?”

Dawn of the Dead é um “must-have” para todos os apreciadores do cinema fantástico. Já o vi à venda na Fnac, na secção de importação. Porém, a minha cópia foi comprada num quiosque de jornais banal. Portanto, fiquem atentos! Os zombies atacam onde menos se espera!



Trailer:

10.7.05

Discos: Devendra Banhart - Rejoicing in the hands & Niño Rojo

Devendra Banhart, um vagabundo com sorte.



Devendra Banhart é um dos melhores cantores da chamada “Nova-Folk”. Munido com a sua guitarra acústica e a sua voz sobejamente peculiar, Devendra encanta com a musicalidade das suas músicas, quer cante sobre amores perdidos, amigos reencontrados ou sobre os seus dentes que já não mordem mas ainda podem dançar.

Este senhor foi encontrado através de uma gravação artesanal que andava a circular pelas ruas Norte-Americanas. Depois de alguma busca, descobriu-se um Devendra Banhart andrajoso e mal-nutrido a tocar num bar Irlandês para sobreviver. Nesta altura, Devendra era já um sem-abrigo há alguns anos, não sem antes ter percorrido o mundo com a mochila às costas.

Rapidamente, Devendra foi levado para um estúdio, onde gravou compulsivamente cerca de 30 e muitas músicas. O resultado dessas gravações encontra-se nos Albuns-gémeos “Rejoicing In The Hands” e “Niño Rojo”.

Ambos estes albuns, editados em 2004, seguem a mesma direcção. Devendra, sozinho à guitarra, por vezes com alguns instrumentos extra adicionados posteriormente. A sua voz, estranha mas ao mesmo tempo bela, a sua falta de jeito com os microfones (por vezes a respiração encobre a guitarra), a sua guitarra desafinada, a sua tendência para inventar acordes, as letras imbecis, as letras lindíssimas, as melodias que se entranham nos nossos cérebros e corações. Devendra Banhart respira genialidade e sinceridade. E é por isso que “Rejoicing In The Hands” e Niño Rojo” nos colocam a sorrir e a trautear pelo dia fora.

Gostaria de destacar no album Rejoicing In The Hands” a música “This Beard is For Siobhán”…



No album “Niño Rojo”, o destaque vai para “At The Hop”...



Todas as restantes músicas são realmente boas, mas estas duas oferecem-me emoções distintas. A primeira, a alegria infantil. A segunda, a tristeza camuflada de esperança. Devendra Banhart é grande!

9.7.05

Banda Desenhada: The Monsters in my Tummy

Roman Dirge é uma das joias da coroa da Slave Labor Graphics. Brilhante escritor e desenhista de comics, tem uma estética algo doce e amarga, juntando monstros e personagens fantasmagóricas com violência, mas condimentando tudo com uma inocência quase pura, ao melhor estilo de Tim Burton. A sua obra maior e mais afamada dá pelo nome de Lenore, The Cute Little Dead Girl, sobre a qual dissertarei em breve.

Mas não é isso que vos trago hoje.

Uma faceta pouco divulgada de Roman Dirge é a sua capacidade magistral para escrever contos ilustrados. A minha proposta deste mês é um pequeno livro intitulado The Monsters in My Tummy, por considerar este como o seu melhor conto até à data e por se referir a uma situação com que lido na minha vida pessoal.



The Monsters in My Tummy, escrito em verso e ilustrado pelo próprio Dirge, é uma pequena história acerca de uma situação com a qual muitos de nós já se viram confrontados, o fim de uma relação afectiva de longo termo. A história pode parecer banal à primeira vista, mas não o é. Começa com o final da relação propriamente dito, e depois desenvolve-se com as emoções negativas que nos afectam. Eventualmente, essas emoções acabam por dar lugar a outras mais alegres, como é normal neste tipo de situações.



Porém, as emoções estão representadas neste livro por monstros. A Dor, a Solidão, a Traição, são todos monstros, com personalidade própria e astutamente representados graficamente. A forma como as emoções lidam umas com as outras está muito bem conseguida, e o final deixa uma sensação de vazio inexplicável. Muito, muito, muito bom!

Não acredito que esta obra alguma vez venha a ter uma versão em Português. A única hipótese é encontrarem uma loja que venda Bd de importação. Comprei a minha cópia de The Monsters in My Tummy através da Shop Suey Comics. Para os interessados, dirijam-se a Rua Barão de Viamonte nº 50, em Leiria (na Rua Direita, perto da loja de Tatoos). Garanto que vale a pena. Esta loja possui também imensos de Comics da Slave Labor e de outras empresas mais Mainstream, portanto, aproveitem a dica.

5.7.05

Livros: Morte em Pleno Verão

Yukio Mishima foi um brilhante escritor Japonês do século XX, nomeado por três vezes para o prémio Nobel da Literatura, apesar de ser mais conhecido pelo facto de se ter masturbado à conta de uma fotografia do Papa. Um perfeito caso de actos menores que ofuscam as obras maiores.



Mishima nasceu numa família descendente de Samurais, e foi educado na primeira infância pela sua avó, que o forçava a massajá-la todos os dias e o obrigava a brincar às bonecas com as primas. Com 12 anos, voltou a viver com os pais. O seu progenitor era um homem austero, simpatizante dos ideiais nazis, e sempre procurou incutir um sentido militar no seu filho. Esta educação desiquilibrada fez de Yukio Mishima um homem à procura do seu lugar no mundo, um eterno caso de homosexualidade fechada no armário.

A sua primeira grande obra foi mesmo a sua autobiografia, que o tornou uma celebridade no seu País com apenas 24 anos.

O seu espólio literário conta com 40 romances, 18 peças de teatro tradicional Japonês (Kabuki), 20 livros de Histórias curtas e mais de 20 ensaios.

Revelando uma doentia obsessão pela morte, Yukio praticava culturismo e era mestre na arte espadachim dos Samurai, como maneira de adiar a velhiçe. Gostava também de se auto-fotografar, simulando suicídio.



Estas fotografias eram encaradas como treino para a sua morte, que viria a acontecer à boa maneira Samurai, abrindo o seu estômago ao mesmo tempo que era decapitado por um colaborador.

Os seus livros abordam quase sistemáticamente os temas do amor e da morte. Gostaria de sugerir o Morte em Pleno Verão, por ser um dos seus livros que mais facilmente se encontra nas livrarias nacionais.

Morte em Pleno Verão consiste em três histórias curtas, todas relacionadas com a morte, acidental, auto-inflingida e espiritual. A primeira história centra-se na dor de uma mulher que acabara de perder os seus filhos, afogados numa estância balnear. A sua cunhada, ao ver os cadáveres dos sobrinhos, sucumbe a um ataque cardíaco. Toda esta história acompanha o processo de cura da mulher, e como os sentimentos se desvanecem. A segunda história fala de um antigo Samurai desonrado, que vê o seppuku como única opção. A terceira história está relacionada com um homem que encontra uma antiga geisha de quem tinha sido intimo.

Todos estes contos são escritos em tom sereno, sem uma ponta de ironia, abordando os problemas existênciais das personagens de uma forma belíssima. Destaco a segunda história, uma verdadeira obra prima. Mishima consegue transformar a brutalidade de um suicídio assistido em algo muito belo e extremamente erótico. Sente-se ternura nos gestos da esposa do Samurai, enquanto o auxilia a abrir o estômago com um punhal.

Morte em Pleno Verão é das poucas obras de Mishima traduzidas para Português, portanto, qualquer boa livraria possui este livro. É barato, lê-se muito bem e é lindíssimo.