27.12.05

Tascas: Bora Bora

Local de peregrinação, taberna infecta, o café Bora Bora é o tema escolhido para a secção "Outros Cultos" deste mês.



Situado em Peniche, meio escondido nas típicas ruas do bairro de pescadores conhecido vulgarmente por "Peniche de Cima", o Bora Bora era um pequeno café igual a tantos outros, com cadeiras de plástico, matrecos, mesas de snooker e ping-pong, frequentada por senhores no ocaso da vida. Até que, já na segunda metade da década de 90, numa triste altura em que algumas das típicas tabernas fecharam na localidade, alguém (não se sabe bem quem) descobriu que nesta casa se fazia Droguinha, e bem barata por sinal! Subitamente, orfãos do Charlot, do Angola e do Manél das Escadinhas encontraram um novo lar em Peniche de Cima. E assim nasceu o culto à volta deste café.



Quem tenha visitado este estabelecimento no seu início e só agora tiver oportunidade de lá voltar, notará porventura uma diferença abismal. Os velhos continuam a frequentá-lo, claro, mas já não poderá encontrar o tecto de platex com restos de droguinha seca, as mesas de snooker e ping-pong, as inundações urinárias (mijar no caixote do lixo virou moda durante uns tempos) e as cadeiras de plástico... Agora a velha taberna é um café todo fino, com cadeirinhas bonitinhas, luzes com sensor de presença e televisão de ecrã gigante (com Tv Cabo e tudo)! Mas há algo que nunca se alterará: As bebedeiras de caixão à cova! Apesar da inflação nos preços, este continua a ser o local mais barato e aprazível para se sair em Peniche num Sábado à noite. Aprecio especialmente aquelas noites em que já são quase 4 da manhã e ainda lá está um grande grupo, munidos de violas de caixa e completamente perdidos no álcool, cantando e gritando a plenos pulmões enquanto o proprietário os tenta expulsar da tasca.



Recomendo então a bebida local, a supra-citada droguinha (não vou dizer em que consiste, mas posso adiantar que é vendida num jarro a dizer liter) e o traçado (vinho rosé com gasosa). Caso não alinhe muito com vinho, poderá sempre pedir um whiskey, cerveja de litro ou mesmo vodkas e shots! Há de tudo! Bom e barato! O Bora Bora não vem nas brochuras turísticas, portanto, na eventualidade de visitarem Peniche, perguntem a alguém entre os 18 e os 35!

20.12.05

Filmes: The Crippled Masters

Exploitation foi um género cinematográfico muito em voga nos anos 70. Consistia (e consiste) em pegar numa minoria (étnica, religiosa, social) e explorá-la num cenário improvável. Exemplos: Blacula, Jesus Christ Vampire Hunter e The Crippled Masters, que é hoje aqui analisado.



O filme começa assim: Um lacaio do senhor do mal do momento ordena a amputação dos braços a um indivíduo, sem nenhuma razão plausível. O "amputado" vagueia pela China, até chegar a uma quinta, onde lhe prestam auxílio. Nesta quinta, o pobre homem aprende a utilizar as pernas como substituto dos braços, desempenhando as tarefas do dia a dia como se nada de mais lhe tivesse acontecido. Entretanto, o senhor do mal resolve queimar com ácido as pernas do lacaio que havia ordenado a remoção dos membros anteriores ao outro homem. Eventualmente, os dois encontram-se e resolvem treinar Kung-Fu com o objectivo de se vingarem do mau da fita, completando-se: os braços do perneta passam a ser os braços do maneta, as pernas do maneta passam a ser as pernas do perneta. Este é um enredo muito estúpido, como se pode verificar, mas há um pormenor a ter em conta... O maneta não tem mesmo braços e o perneta tem mesmo as pernas atrofiadas! Ou seja, ambos os mestres de artes marciais são aleijados!



Por mais grotesca que possa parecer a ideia de usar verdadeiros aleijados para fazer um filme de Kung-Fu, The Crippled Masters acaba por ser um grande filme de artes marciais! É impressionante as acrobacias que estes dois conseguem fazer, especialmente o maneta, que consegue fazer girar uma vara mais rapidamente e com mais precisão só com dois cotos do que eu com dois braços.



É claro que isto é tudo muito ridículo. O mestre do mal possui uma corcunda que emite um sonoro "BOING" cada vez que alguém lhe atinge, o maneta joga à cabra-cega com crianças, usando os pés para os apanhar, o perneta arrasta-se pelo chão durante o filme todo, e no entanto consegue dar valentes sovas a pessoas com o dobro do seu tamanho, um dos lacaios do mal tem a cara pintada de branco só porque sim... Enfim, este filme é bastante mau, como não poderia deixar de ser... Mas a quantidade de truques que um homem sem braços consegue fazer... Obrigatório para quem goste de filmes de artes marciais old-school!

Encontrar The Crippled Masters à venda no nosso país é uma tarefa Herculeana. Já foi visto à venda, mas mesmo assim, requer muita dedicação e muita procura. Ele anda por aí, mas não se sabe bem onde. Confesso, a cópia que tenho foi tirada da internet por um amigo meu, através dos BitTorrents. Quem tiver a oportunidade, aconselho a fazer o mesmo. Podem encontrar mais informação e um pequeno clip de video aqui, para verem que não estou a brincar... Este filme existe mesmo!

Trailer:

12.12.05

Discos: Antony and the Johnsons - I Am A Bird Now

Este mês trago-vos o ambiente trágico-poético de Antony And The Johnsons...



Antony Hegarty começou a sua carreira no showbizz em Nova Iorque no início dos anos 90. Nessa cidade, ganhou fama com os seus espectáculos de transformismo, onde cantava encarnando uma mulher de cabeça rapada. No final da década, junta-se a alguns amigos e nascem os Antony And The Johnsons.

Após o lançamento do primeiro album homónimo, a banda foi descoberta por Lou Reed, que os apadrinhou. A partir desse momento, Antony And The Johnsons começaram a fazer as primeiras partes dos seus concertos. Em 2005, foi lançado I Am A Bird Now, o disco que recomendo desta feita.



I Am A Bird Now, que valeu a Antony And The Johnsons o Mercury Prize de 2005, é um album sobre o sofrimento. Aqui ouve-se nua e honesta a soberba voz de Antony, enquanto nos canta directo ao coração sobre os seus traumas, sobre a sua homossexualidade, amores desavindos e dores no coração. Comovente, e de uma violência lírica que contrasta com a candura do piano e o sussurro da bateria. Ideal para desapaixonados, igualmente bom para apreciadores de boa música, I Am A Bird Now conta com participações de luxo que engrandeçem ainda mais as canções de Antony And The Johnsons. Para além de Lou Reed, ainda se pode ouvir por aqui a voz de Boy George e Devendra Banhart, entre outros.

Destaques para For Today I Am A Boy, a lindíssima Bird Gehrl, e What Can I Do?, a minha faixa preferida deste disco (apesar de ser cantada não por Antony mas sim por Rufus Wainwright). Descubram-no nos locais habituais.

7.12.05

Banda Desenhada: The Fabulous Furry Freak Brothers

Há muito muito tempo, nos loucos anos 60, havia um senhor chamado Gilbert Shelton que vivia em São Francisco. Esse senhor possuía cabelo comprido, roupas coloridas e uma imaginação fértil. Mas nessa altura, a formosa cidade de São Francisco vivia em agitação e sobressalto, devido ao Flower Power e ao Boom das drogas. Todas as drogas. Ou seja, Gilbert Shelton passou grande parte dessa década num outro mundo, povoado com elefantes cor-de-rosa e elfos verdes com dez braços. Para ele, a sua vida só começou em 1968, quando foi editada a primeira história dos Fabulous Furry Freak Brothers!



The Fabulous Furry Freak Brothers conta o dia-a-dia de três amigos, no seu dilema entre a procura de drogas e o vontade de ficar no sofá a vegetar... Marijuana, alucinogénios e estimulantes são comuns em quase todas as estórias, e, curiosamente, a heroína nunca entra no universo destes meninos.

Os “irmãos” são:

Freewheelin' Franklin, o espertalhão (aka parvalhão) do grupo



Fat Freddy, o “menos inteligente”, o desgraçado que vai sempre comprar droga para os outros e é sempre roubado na dose.



Phineas Freakears, o cientista e idealista do grupo.



Além de um hino à preguiça e ao ócio, esta obra é também uma crítica mordaz à hipocrisia da sociedade norte-americana, e mesmo com o cérebro toldado pelo abuso de estupefacientes, Shelton consegue manter as suas estórias coesas e bem humoradas, com um fio condutor preciso.

Encontrar os Freak Brothers em Portugal? Pois... Boa sorte! Mesmo pelos campos da pirataria informática, os livros são verdadeiramente difíceis de descobrir. Assim, só me resta aconselhar o site da Rip Off Press, a editora dos The Fabulous Furry Freak Brothers...

1.12.05

Livros: A Espuma dos Dias

Boris Vian foi um senhor Francês nascido em 1920 e falecido em 1959. Entre outras coisas, foi escritor, cantor, trompetista de Jazz e um espírito rebelde.



Apaixonado pelo Jazz e pela cultura Norte-Americana (apesar de nunca ter colocado um pé no continente), Boris Vian escrevia muitas vezes romances policiais sob o pseudónimo Vernon Sullivan, romances esses que lhe granjearam admiração e ódio um pouco por toda a parte. Enquanto isso, as suas obras mais pessoais, assinadas com o seu próprio nome, eram relegadas para segundo plano, por serem demasiado estranhas para a época, aliás como o próprio Vian o foi. A titulo de exemplo, consta que um dia, Boris dirigiu-se ao escritório da empresa de águas Evian, sugerindo que adoptassem o seguinte slogan: "Evian, L'eau de Vian!" A empresa não gostou da ideia e Vian foi expulso do edifício prontamente.

Após a sua morte, Vian foi adoptado como escritor fetiche pelos estudantes Franceses dos anos 60, e o surrealismo das suas obras recebeu finalmente a devida valorização. Gostaria de sugerir O Outono em Pequim ou As Formigas, mas o mais fácil de encontrar por aí será certamente a sua obra mais afamada, A Espuma dos Dias.



A Espuma dos Dias é um exercício sobre o amor e o absurdo. É a típica história de um homem que se apaixona por uma mulher que entretanto contrai uma doença e começa a definhar perante os seus olhos. Porém, todas as personagens mantém conversas apáticas e desprovidas de emoção, e os diferentes estados de espírito são transmitidos pela paisagem envolvente. Tudo muito estranho, impossível e surreal, mas ao mesmo tempo bonito e poético.

É preciso imaginação fértil para conseguir ler uma obra deste tipo. A primeira parte é luminosa e traz-nos sentimentos de liberdade. Relembro a cena em que Colin se apaixona por Chloe. Ambos estão a ver montras com restos de vacas, mantendo uma conversa monocórdica, e ao mesmo tempo uma nuvem desce do céu e levanta-os pelo ar, simbolizando a chegada do amor... A segunda parte do livro é escura e húmida, levando-nos para um buraco com as personagens. Chloe adoece (aparece-lhe um lírio num pulmão) e à medida que a sua doença piora, as divisões da sua casa vão-se tornando mais pequenas e sombrias... Brilhantemente escrito, A Espuma dos Dias é a maior dor de cabeça que um tradutor poderá ter, e ao mesmo tempo uma leitura obrigatória para todos os que gostam de deixar a sua mente a divagar e a passear bem alto enquanto o corpo fica preso ao chão. Fácil de encontrar em qualquer livraria.

28.11.05

Sortido: Alquimia

Para as pessoas que compram regularmente o Blitz, conhecem certamente a banda desenhada Superfuzz. Nesta página semanal, existe um senhor chamado Paiva, proprietário de uma loja de discos pequena e acolhedora. O Paiva, um saudosista do vinil, é uma personagem simpática que impinge os seus discos preferidos aos seus clientes e afugenta os putos da moda com poderosas descargas de Dark Metal ou algo do género. Pois bem, tudo isto para dizer que conheço o Paiva pessoalmente. Só que o “Paiva” chama-se Carlos Matos e a “Superfuzz” na realidade possui o nome de Alquimia.



A Alquimia é uma pequena loja de discos e acessórios localizada no piso mais baixo do Centro Comercial D. Diniz, em Leiria. Especializada em sons Dark dos mais variados tamanhos e feitios, aqui encontra-se também um pouco de tudo o que é considerado alternativo, ou, se preferirem, “fora do Mainstream”, para além de roupas, pins, DVD, merchandising variado e fanzines de distribuição gratuita.

Quando residia em Leiria, visitava este espaço regularmente, não só para receber o meu exemplar grátis da Mondo Bizarre, mas também para trocar dois dedos de conversa com o proprietário sobre temas musicais do nosso agrado/desagrado. Era sempre um prazer ficar uma horinha a ouvir música nova na companhia de Carlos Matos, e foi neste espaço que me foi dado a conhecer alguns dos albuns que apresento aqui neste espaço, nomeadamente Estradasphere e a música de culto deste mês, Lovage. De referir também que este foi o único estabelecimento onde vi à venda From a Basement on a Hill, o album-póstumo de Elliott Smith.

Assim sendo, recomendo vivamente aos habitantes de Leiria e arredores a visita à Alquimia, bem como o programa de rádio de Carlos Matos (Unidade 304, na Central FM) e o Festival FADE IN, organizado pela “família Alquimia”... Um grande abraço a toda a gente que partilha comigo aquele espaço!

22.11.05

Filmes: Faster Pussycat... Kill! Kill!

Era uma vez um senhor chamado Russ Meyer. Este homem havia tido o melhor emprego do mundo, fotografando para a revista Playboy, até que se fartou das fotografias e resolveu enveredar por uma carreira no maravilhoso mundo do cinema. Filmou imensos filmes ao longo da sua vida, todos eles marcados pela rebaldaria e humor “kitsch”, mas foi muito perseguido pelas activistas dos direitos das mulheres, que o acusavam de machista, apesar de hoje em dia ser-lhe reconhecido o valor na criação das chamadas Riot Grrls. Ame-se ou odeie-se, há que dizer em sua defesa que Meyer era um homem generoso, preocupando-se sempre com todas as senhoras, especialmente com aquelas possuindo glândulas mamárias altamente desenvolvidas. A sua preocupação era tal que nos seus filmes só entravam meninas com enormes seios, acabando por ser essa a principal razão pela qual o seu nome entrou para a história do cinema. Essa e outra, que dá pelo nome de Faster, Pussycat... Kill! Kill!



Faster, Pussycat... Kill! Kill! (1966), é uma ode à violência e à emancipação da mulher, através da sua sexualidade. As pussycats, três strippers devidamente estereotipadas (temos a mázona vestida de cabedal, a loira tontinha com sentimentos e a emigrante ilegal secretamente apaixonada pela mázona), passeiam pelo deserto nos seus carros desportivos, rindo às gargalhadas sem se perceber muito bem qual é a piada... Entretanto, as meninas param o carro, tomam banho todas vestidas, discutem, andam à pancada umas com as outras, vão ficando semi-nuas... Até que chega um carro com um casal de namorados muito bonitos e arranjadinhos. Depois de dois dedos de conversa e de uma corrida pelo meio do deserto, a mázona do grupo resolve partir a coluna vertebral ao rapaz, drogar a rapariga e raptá-la, continuando o seu passeio pelo deserto rindo sem sentido...



Por esta pequena amostra do argumento, já se sabe que daqui não vem nenhum bom filme. Mas na realidade, Faster, Pussycat... Kill! Kill! é imensamente divertido e inconsequente. Os diálogos são de morrer a rir de tão maus, as cenas sensuais são forçadíssimas, temos violência a rodos, cenas dramáticas e tensas, senhoras atraentes q.b. e actores que não merecem essa designação... Tudo boas razões para irem à Fnac e comprarem este filme na secção de importação sem pensarem duas vezes. Atenção especial à banda sonora e à Pussycat loira, que, apesar de não saber representar, proporciona agradáveis momentos erotico-humorísticos ao longo desta película.



Trailer:

15.11.05

Discos: Lovage - Music To Make Love to Your Old Lady By

Cenário típico de um jovem entre os 25 e os 35 anos: Sai-se de casa à noite, conhece-se uma jovem atraente do sexo oposto, palavra puxa palavra, toma-se um copo ou dois, e depois diz-se a frase chave: Queres ir tomar um copo lá no meu cantinho? Se a resposta for favorável, o jovem está bem lançado para obter uma vitória no eterno jogo da conquista... Agora só falta criar o ambiente ideal... Uma garrafa de bom vinho tinto, velas acesas, e um cd de música de cama a tocar na aparelhagem... Normalmente Kenny G, Céline Dion ou Michael Bolton!

Porém, música de cama não é sinónimo de mau gosto! Todos conhecemos concerteza exemplos de albuns que libertam paixões arrebatadoras e proporcionam momentos agradáveis, sendo ao mesmo tempo óptimos albuns para ouvir no dia-a-dia. Apresento-vos Nathaniel Merriweather...



Nathaniel Merriweather é, apenas e só, Dan The Automator, (esse mesmo, dos Gorillaz)... Ou melhor, Nathaniel Merriweather é o mentor de um projecto editado em 2001, intitulado Lovage: Music to Make Love To Your Old Lady By... O melhor album de música de cama que já tive a oportunidade de ouvir!

Merriweather produz e sampla um ambiente extremamente sensual, de enorme bom gosto, apesar dos títulos infelizes de algumas músicas (Herbs, Good Hygiene & Socks, por exemplo) adornado pelas vozes de Jennifer Charles (dos Elysian Fields) e Mike Patton (será mesmo necessário explicar quem é?). As vozes de ambos os vocalistas dançam e provocam-se mutuamente, o erotismo cresce a cada batida, a cada gemido, a cada provocação lançada pelo casal... Ouvindo o album quase que parece que tanto Mike como Jennifer estão prestes a largar os microfones no chão e a atirar-se para cima um do outro...

Para além de Patton e Charles, também Damon Albarn (parceiro de Dan The Automator nos Gorillaz) e Africa Bambaataa dão um ar de sua graça, mas os verdadeiros protagonistas são mesmo os vocalistas principais!

Destaque para a música Sex (I’m a), versão de um tema os Berlin... O jogo de sedução levado ao extremo!



Sim, a capa de Lovage é ridícula, propositadamente Camp, mas o que interessa é mesmo o seu conteúdo. Uma curiosidade, esta capa é uma homenagem a este grande cantor de música de cama...



E Lovage resulta, perguntam vocês? A resposta é sim, resulta... E como resulta!!!!!

I Love The Lovage, baby!

9.11.05

Banda Desenhada: O Homem Que Caminha

Antes de colocar aqui o porquê da recomendação desta obra, gostaria de assumir publicamente o meu preconceito e aversão à Manga. Para o comum Ocidental, a ideia que passa é que a Manga consiste num grupo de cyborgs a lutarem uns com os outros, de uns seres de outro planeta que quando se irritam mudam a cor do seu cabelo de negro para louro platinado, ou mesmo de donzelas voluptuosas sendo perseguidas por monstros fálicos. Porém, sou uma pessoa tolerante, e agora sei ver que Manga não é só isso. Apresento-vos O Homem Que Caminha.

Desde há uns meses para cá que o Correio da Manhã tem vindo a publicar aos Sábados uma colecção de banda desenhada intitulada Série Ouro – Os Cássicos da Banda Desenhada. Se bem que uma boa parte dos livros publicados possuirão uma qualidade discutível, volta e meia aparecem umas excelentes surpresas pelo meio. No passado dia 31 do mês passado, saiu um livro de um autor que desconhecia totalmente, intitulado A Arte de Jiro Taniguchi. Segundo a pequena biografia incluída neste livro, Taniguchi é a mais importante figura do movimento denominado Nouvelle Mangá, movimento esse que procura ligar a Bd Europeia à Japonesa. Conhecendo um sucesso estrondoso na França, O Homem Que Caminha será a sua obra mais aclamada. A arte atinge um detalhe impressionante, variando os materiais e técnicas conforme o efeito desejado, e a candura dos gestos, bem acompanhada pela quase total ausência de diálogos aumenta a expressividade deste livro. Segundo o autor, “O objectivo era ir transmitindo os sentimentos e pensamentos do protagonista através das paisagens que se vêem, com a natureza a reflectir os diferentes estados de espírito do herói.”

Aqui, fala-se de um homem de meia idade que passeia pela infernal Tóquio, enquanto perde o seu tempo observando os pormenores mais simples e banais, tornando-os contemplativos, lindos e poéticos. Atente-se ao exemplo de uma das primeiras histórias, em que o homem encontra uns meninos que perderam o seu avião de papel no topo de uma árvore. O homem sobe a árvore, encontra o avião, devolve-o às crianças... E fica sentado na árvore até anoitecer, observando a paisagem...



À medida que se vai lendo este livro, a sensação de paz envolve-nos e deixa-nos num estado de relaxamento total. O Homem Que Caminha é, contra todas as minhas expectativas, a melhor obra saída desta colecção, e um dos livros mais bonitos que tive o prazer de ler. Para adquirir esta obra, contactem o Correio da Manhã ou procurem-no nas bancas dos jornais. Muitos números antigos desta Série de Ouro podem ainda ser encontrados um pouco por todo o lado, e este concerteza não será excepção.

3.11.05

Livros: O Libertino Passeia por Braga, a Idolátrica, o Seu Esplendor

Portugal é um país pequeno, de brandos costumes, como se costuma dizer... O que não impede que não tenhamos o nosso próprio escritor maldito! E esse escritor maldito dá-se pelo nome de Luiz Pacheco...



Pacheco iniciou-se na escrita em 1946, com História Antiga e Conhecida. Antes disso tinha sido agente da Direcção Fiscal de Espectáculos e jornalista em variados matutinos. O seu estilo irreverente era apelidado de “ordinário” e foi em diversas ocasiões perseguido pela PIDE/DGS, chegando mesmo a ser preso. A sua luta contra a censura terminou vitoriosa após o 25 de Abril de 1974. Curiosamente, a sua fama como escritor “difícil” ganhou uma injecção de força momentânea, e os seus livros passaram a ser alvo de um outro tipo de censura, a censura intelectual, empurrando este homem para um estado de semi-anonimato... Porém, ainda hoje, quase cego e carregado de doenças, Luiz Pacheco continua a escrever as suas críticas e os seus romances e contos no seu quarto num lar de terceira idade... Resiste heroicamente contra uma morte inevitável, gozando com todos nós como só ele sabe. Sinto que quando falecer virão imensas figuras públicas dizer que se perdeu um vulto do panorama literário português, que Luiz Pacheco foi o maior, que todos foram os seus maiores fãs... Mas agora ninguém parece importar-se com um velho deixado a apodrecer num lar de idosos...

Hoje, trago-vos O Libertino Passeia por Braga, A Idolátrica, O Seu Esplendor, a obra que eu considero ser a melhor introdução ao imaginário de Luiz Pacheco. Editado originalmente em 1970, O Libertino tornou-se uma ode à sua cidade natal, a famosa cidade dos "três P", e um retrato exacto de Portugal nos anos 60, que, vendo bem as coisas, não mudou assim tanto. O culto à volta desta obra cresceu graças aos Mão Morta, que se basearam neste livro para a música O Divino Marquês.

Esta é a estória curta de um homem gasto e decadente que havia sido libertino nos seus tempos de juventude. Ao ter recebido a visita da morte, e temendo pelo final dos seus dias, o homem resolve sair por Braga para procurar uma moça jovem com a qual se possa satisfazer sexualmente, enquanto distribui livros na sua biblioteca móvel para contribuir para a alfabetização de um país em plena Idade das Trevas. O seu comportamento alterna entre o cão com cio atrás de cadelas e o pedreiro de andaime a mandar piropos a quem passa.

“Mas passam por mim duas miúdas: uma, grande cu descaído, badalhoca de cara, trouxa de carne a dar às pernas - é a que me tenta; outra, muito compostinha no trajar, casaco preto, saia branca ou creme, muito viva, muito espevitada. Atiro pontaria na badalhoca, a ver se avanço depressa o negócio, jogando no ganha-perde da beleza física e no cálculo das probabilidades dos complexos das feias. Vou-as seguindo, de rabo alçado como um garanhão, e a gorduchona já me topou.”

A estória é contada na primeira pessoa, em registo de diário. Dá a sensação que tudo isto aconteceu mesmo ao velho Pacheco, e, pelas entrevistas que tive o prazer de ler, não duvido mesmo nada.

Parece que actualmente, O Libertino está fora de circulação, bem como a maior parte das obras mais antigas de Pacheco. Como raramente vi algo deste senhor à venda em livrarias, aconselho a visita a bibliotecas municipais. O Libertino está de certeza na biblioteca de Leiria (foi onde o li pela primeira vez), e na biblioteca de Peniche existe uma antologia poética, sem ordinarices. Caso não estejam interessados em sair de casa e não podem (sobre)viver sem internet mais do que duas horas, podem clicar aqui e ler O Libertino no conforto do vosso lar, totalmente grátis! Neste site existem mais alguns textos da autoria de Luiz Pacheco, portanto, nada melhor do que guardar este site nos favoritos e saboreá-lo em doses pequenas...

24.10.05

Filmes: Plan 9 From Outer Space

O Contra-Culturalmente Falando apresenta... O PIOR FILME DO MUNDO!



O realizador Ed Wood Jr. sempre me fascinou. Devoro documentários sobre a sua pessoa, adorei a película biográfica que o mestre Burton elaborou, e cheguei a ver o seminal filme Bride of the Monster na Tv2, totalmente desprevenido, sem qualquer aviso por parte da programação do canal. Ed Wood Jr., o pior realizador da história do cinema (como ficou conhecido para a posteridade) era uma personagem excêntrica que gostava de realizar os seus filmes vestido de mulher, filmando tudo ao primeiro take para poupar fita, e reciclando imagens de arquivo atrás de filmagens de arquivo para “tapar buracos”. Na altura, era visto como um louco... Hoje em dia, é visto como um herói da contracultura!

No mês passado, desloquei-me ao auditório do IPJ de Faro, onde passou o Plan 9 From Outer Space! Por mais preparado que fosse, já esperando um filme terrível onde choraria a rir, nunca esperei sair daquela sala de cinema tão chocado e baralhado como saí. O filme é mau. É impossível traduzir por palavras o quão mau o filme é. Não é à toa que este é considerado o pior filme de todos os tempos...

Plan 9 From Outer Space (1959) o filme visionário que marcou a morte artística do seu realizador, já foi dissecado, esventrado, analisado e ressuscitado pelo menos um milhão de vezes ao longo dos anos. Aqui neste blog fica a milionésima primeira dissecação...

O enredo: Um grupo de extraterrestres resolve atacar a terra! E o seu ataque consiste em trazer de volta um exército de mortos (três...) para aterrorizar os vivos e fazer com que o governo dos Estados Unidos da América (claro!) reconheça a sua existência! É isso! Os extraterrestres não são mal intencionados, eles desejam apenas existir!



Cabe a um piloto do avião, a um inspector da polícia e ao general responsável pelo gabinete de prevenção contra ataques extraterrestres (what?) a missão de dar cabo do canastro aos aliens, que no fundo, são pessoas como nós, mas vestidas com fatos espaciais bem catitas... Depois... Bem, depois vejam o filme! É verdadeiramente impossível apontar todos os defeitos aqui. São campas e árvores derrubadas ao toque, são carros que viajam tão rápido que se transformam em outros carros totalmente diferentes da noite para o dia (ou de uma cena para outra), são mortos-vivos com dificuldade para se erguerem das suas campas... Enfim, um verdadeiro mimo!

A película começa com um funeral. Bela Lugosi, naquele que seria o seu último filme (ao todo, filmou 3 cenas para o filme inteiro antes de falecer, cenas essas recicladas uma, duas, três, quatro, dez vezes... Sendo depois substituído por um actor que, não sendo sequer parecido com Bela, surge sempre com uma capa a tapar a sua cara), chora a morte da mulher. Depois, um corte radical. Dois pilotos levam o seu avião para o aeroporto, às 4 e meia da manhã... Os pilotos falam, conversa de chacha, blá blá blá, e depois mostra-se o avião a voar em pleno dia... Pelos vistos, a manhã começa bem cedo nos Estados Unidos... Subitamente, três Ovnis de plástico presos por fios iniciam um ataque ao avião... E... De repente... Já é de noite outra vez?

Todas as cenas do filme alternam entre noite e dia sem aviso prévio. Pela conversa entre as personagens, depreende-se que toda a acção decorre numa noite bem negra... Do género “São 2 da manhã, é melhor irmos para casa porque está escuro”, enquanto o sol brilha no horizonte! É aqui que Plan 9 From Outer Space descamba para o ridículo!

O argumento é mau. Mal escrito, mal interpretado, mal tudo! O narrador tem tanta noção de timing como uma parede. Aqui fica a citação do monólogo inicial:



“Greetings, my friend. We are all interested in the future, for that is where you and I are going to spend the rest of our lives. And remember, my friend, future events such as these, will effect you, in the future. You are interested in the unknown. The mysterious. The unexplainable. That is why you are here. And now for the first time, we are bringing to you, the full story of what happened on that fateful day. We are giving you all the evidence, based only on the secret testimony of the miserable souls who survived this terrifying ordeal. The incidents. The places. My friend, we can not keep this a secret any longer. Let us punish the guilty. Let us reward the innocent. My friend, can your heart stand the shocking facts about grave robbers from outer space?"

Plan 9 From Outer Space pode ser encontrado na Fnac, na secção de importação, incluído numa caixa com toda a filmografia de Ed Wood Jr.! O preço não é nada simpático, mas vale bem a pena... Ou então não vale a pena e é dinheiro mal gasto... Ainda estou demasiado baralhado para me decidir...



Trailer:

21.10.05

Discos: Elliott Smith

Quem me conhece pessoalmente, já esperava por este post. Ainda assim, não deixa de ser particularmente difícil para mim escrever sobre um dos meus tesouros mais bem guardados, a música de Elliott Smith...



Nascido Steven Paul Smith em 1969, Elliott foi um dos mais acarinhados cantores folk do século XX, e ao mesmo tempo o mais injustamente esquecido. A sua carreira musical começou nos Heatmiser, uma banda pós-grunge com forte incidência na distorção e nas guitarras eléctricas. Daí que o primeiro album a solo de Elliott Smith (intitulado Roman Candle) tenha causado alguma surpresa entre os seguidores daquela banda, por trocar a electricidade pela velhinha guitarra acústica. O Lo-Fi e a candura na sua voz representam os primeiros albuns do cantor, verdadeiros diamantes escondidos numa produção deficiente.

Elliott Smith saiu da obscuridade mais ou menos em 1997, quando o realizador Gus Van Sant resolveu incluir algumas das composições no filme O Bom Rebelde, valendo a Smith o reconhecimento internacional e a nomeação para um Oscar pela música Miss Misery.

Seguiu-se um contrato com a Dreamworks, do qual resultaram albuns mais ambiciosos, ultra-produzidos e belíssimos, ainda que um bocadinho difíceis de apreciar para alguém com o ouvido destreinado. Elliott Smith entrava numa fase infantil, de um músico a transbordar de talento com uma guitarra de caixa a cair de podre que se deixa deslumbrar por um estúdio cheio de instrumentos, e que não descansa enquanto não os experimentar a todos. Oiçam a Waltz #2, do album XO, e observem como se transforma uma valsa numa canção pop sem mácula, por exemplo.

Quer os seus primeiros albuns, quase totalmente acústicos, quer os seus mais recentes trabalhos, mais orquestrais, valem a escuta atenta. Porém, não podendo dar especial destaque a todos os 6, saliento o Either/Or, aquele que considero o album introdutório perfeito para um ouvinte novo de Elliott Smith.



Either/Or, o terceiro registo, é uma album de transição. A guitarra acústica está lá, mas já se começam a ouvir guitarras eléctricas, baixo e bateria nalguns temas. A postura recatada encontra-se presente, a delicadeza da sua melodiosa voz é algo de outro mundo e Elliott Smith prova aqui de uma vez por todas o seu valor como escritor de canções! Quase todos os dias oiço este album, e continuo sem me cansar dele... Destaque para Say Yes, Angeles e aquela que considero a minha música preferida de todos os tempos (por várias razões que não mencionarei aqui), Between The Bars...

A maior parte dos trabalhos de Elliott Smith podem ser encontrados na Fnac. Ironicamente, a sua obra mais recente, From A Basement on a Hill, provavelmente será a mais difícil de encontrar. Mas ela anda por aí. Procurem-na bem.

Elliott Smith faleceu precisamente há 2 anos, nesta data. Foi genuinamente uma boa pessoa, para além de um excelente músico. Espero ter conseguido homenageá-lo decentemente. Rest peacefully, old friend...

12.10.05

Banda Desenhada: Death Jr

Death Jr , o filho do Grimm Reaper, é um bom miúdo, que gosta de estar com os amigos e nunca se mete em confusões. Tudo isso muda quando, acidentalmente, liberta um mal que pode destruir tudo aquilo que lhe é querido. Cabe a si e aos seus companheiros a erradicação desse mal, antes que o seu pai descubra...



Death Jr. É uma proposta recente da Image , vindo directamente das mãos dos autores de Gloomcookie... No fundo, a personagem principal é um menino bem comportado com cara de caveira, que gosta tanto da mãe como do pai e vai à escola todos os dias... Tem como grupo de amigos Pandora, a menina gótica, Smith & Weston, os gémeos siameses, Stigmartha, a menina que sangra pelas mãos quando se enerva, e The Seep, um estudante estrangeiro sem braços e pernas que vive num jarro. O menino deseja um dia seguir as pisadas do seu pai, o responsável pela morte, mas o seu coração não consegue distinguir muito bem a diferença entre viver e morrer.

As suas aventuras são deliciosas. Death Jr., apesar de feio e de matar tudo o que toca, é ternurento e optimista em relação à vida. O humor negro está presente, é certo, mas o que sobressai nesta obra é o pensamento positivo e a alegria de viver. Outra novidade em relação a outras obras do género é a utilização de cor nas pranchas, o que torna a atmosfera muito mais leve e refrescante.

Recentemente saiu um jogo de computador alusivo a esta personagem para a nova consola da moda, a PSP. Não estando a recomendar o jogo (que não conheço), recomendo a visita ao seu site oficial. Neste site encontra-se disponível na secção de downloads o número zero desta obra (em preto e branco, ao contrário dos outros). É um livro pequeno, mas serve de aperitivo para este comic. Tirando isso, Death Jr. Só pode ser encontrado em lojas de BD de importação, até ver.

5.10.05

Livros: The Story of Ferdinand

Era uma vez um touro chamado Fernando, que vivia em Espanha. Todos os pequenos touros com quem Fernando vivia corriam e saltavam e batiam com a cabeça uns nos outros, mas não o Fernando. Ele preferia sentar-se calmamente e cheirar as flores.



The Story of Ferdinand é um conto infantil, escrito por Munro Leaf e magistralmente ilustrado por Robert Lawson. Através de um vocabulário simplista, Leaf conta a estória de Ferdinand, um touro pacifista que nunca se envolve em lutas e disputas de território próprias da espécie, preferindo sentar-se de baixo de um carvalho e cheirar flores durante todo o dia. Uma reviravolta no conto e Ferdinand dá por si a caminho de Madrid, para lutar numa praça de touros. Mas aí, algo inesperado acontece...

The Story of Ferdinand, apesar de parecer simplista à primeira vista, é uma grande lição de pacifismo e presença de espírito. Lá porque os touros são famosos por serem criaturas ferozes e violentas, não quer dizer que TODOS os touros sejam assim...

Por incrível que pareça, este livro, escrito em 1936, foi banido de inúmeros países de extrema-direita durante a segunda guerra mundial, como a Alemanha e Portugal. Entretanto, veio a revolução dos cravos, mas a obra nunca chegou ao nosso território até hoje. Assim sendo, para ler este clássico na íntegra, visitem este site.

26.9.05

Séries: Monty Python's Flying Circus

E agora para algo completamente diferente, um homem com três nádegas.



Primeiro de tudo deixem-me explicar que não planeava algum dia escrever sobre os Monty Python neste cantinho... Não por não gostar dos mesmos (o que é uma calúnia hedionda), mas por achar que qualquer coisa que escreva ou possa escrever sobre aquela que é considerada a mais brilhante fábrica de sketches do século XX nunca fará juz à magnificência da trupe. Porém, coincidências felizes impelem-me a discursar sobre o fenómeno Pythoniano. Desculpem qualquer coisinha...

Monty Python’s Flying Circus foi um Ovni humorístico que aterrou na cinzenta Inglaterra em 1969, partindo para parte incerta em 1974. Esta série deu origem a vários filmes, discos e livros e o culto à volta destes seres nunca mais parou de crescer até aos dias de hoje.

Os cinco Pythons, Graham Chapman (o morto), Terry Gilliam (o Americano), Michael Palin (o simpático), Terry Jones (o chato), Eric Idle (o solitário) e John Cleese (o alto) apostavam num humor extremo e a roçar os limites do aceitável, no seu estilo único, misturando o non-sense com uma inventividade emulada por imensos cómicos desinspirados ao longo de mais de 30 e tal anos, tudo ligado por brilhantes animações, inspiradas na época vitoriana.

Uma das inovações que este grupo trouxe ao humor televisivo foi o facto de a punch-line (aquela parte da piada gasta no final de cada sketch dos Malucos do Riso, para quem não percebe nada daquilo de que eu estou a falar) ser opcional. Os seus sketches consistiam muitas vezes de momentos loucos de punch-lines atrás de punch-lines, terminando abruptamente com o ataque de um cavaleiro de armadura empunhando um frango de plástico, ou por um coronel que exigia o final do dito sketch por este ser demasiado parvo (Esse oficial do exército de sua magestade foi copiado e adaptado à realidade Portuguesa na personagem de Diácono Remédios).

Um skecth memorável: Um grupo de extraterrestres semelhantes a Molotov resolvem atacar a Inglaterra, transformando todos os Ingleses em Escoceses (com direito a Kilt e barba ruiva). Os Ingleses transformados em Escoceses rumam instantaneamente para as Terras Altas, deixando a Inglaterra vazia. O objectivo dos extraterrestres: Vencer o torneio de Wimbledon. É um facto conhecido que os Escoceses não sabem jogar Ténis...

Tudo isto para dizer que a RTP Memória resolveu passar na íntegra TODOS os episódios de Monty Python’s Flying Circus! É verdade! Hossana nas alturas! Um oportunidade de ouro para rever (e rever, e rever, e rever) uma das melhores séries televisivas de sempre, e a horas decentes... Os Malucos do Circo (infeliz título em Português), aos Sábados, 15 e 30 e Domingos, 21 e 30.

21.9.05

Filmes: Delírio em Las Vegas

O filme que vos trago hoje está ligado directamente com o post de literatura de culto deste mês. Trata-se da adaptação cinematográfica do clássico livro de Hunter S. Thompson, Fear and Loathing in Las Vegas (em Português, Delírio em Las Vegas).



Delírio em Las Vegas conta com Terry Gilliam (o Americano dos Monty Python) na realização, e tem como actores principais Johnny Depp no papel de Raoul Duke (baseado no próprio Thompson) e Benicio Del Toro, interpretando o advogado Samoano Dr. Gonzo. Estamos em 1971, quando Duke e Gonzo viajam até Las Vegas, com o intuito de fazer a cobertura jornalistica a uma corrida de motas pelo meio do deserto. Se bem que isso acaba por ser secundário quando se possui uma mala cheia de erva, cocaína, alcoól, éter, mescalina, ácidos vários e muitas outras drogas no banco de trás do carro. Tem-se uma percepção do que será este filme logo nos primeiros minutos, quando Duke pega num mata-moscas e resolve matar uns morcegos gigantes que de repente se lembram de o atacar (ou pelo menos é para aí que a sua imaginação o leva).

Este filme é uma ode às drogas. Durante toda a película, nunca há um momento de sobriedade. Ou Duke está pedrado e Gonzo sóbrio, ou Duke está sóbrio e Gonzo pedrado, ou Duke está pedrado e Gonzo está pedradíssimo! Acompanhamos então as alucinações e bad trips desta dupla pela cidade dos Néons e casinos, sem saber muito bem onde nos leva o enredo. Apesar de parecer alegre, frenético e de possuir luminosos momentos de humor a espaços (como por exemplo, quando as personagens principais se vêm envolvidas numa palestra anti-drogas para polícias), Delírio em Las Vegas é um filme feio e sujo. É assustador quando um Dr. Gonzo completamente alucinado convençe uma menina de 14 anos a partilhar a sua cama oferecendo-lhe um sortido de drogas. E a sensação de vergonha alheia na cena em que Hunter (perdão, Duke) acorda num quarto completamente destruido, enquanto somos bombardeados por Flashbacks auditivos de fazer corar um morto, é indescritível...

Para quem já viu este objecto de culto, fica a dica de que Benicio Del Toro engordou mesmo 14 quilos para interpretar o arrepiante Dr. Gonzo e sim, Thompson era mesmo assim como Depp e Gilliam o recriam. Tanto pessoalmente como na sua escrita. Os seus livros são autênticas dores de cabeça. Quem vir Delírio em Las Vegas até ao fim e não ficar com a sensação de exaustão cerebral, é porque não esteve muito atento ao que se estava a passar na televisão.

Disponível no seu videoclube.



Trailer:

14.9.05

Discos: dEUS - In a Bar Under the Sea & My Sister = My Clock

dEUS existe e vive na Bélgica!



Liderados por Tom Barman, os dEUS são uma força criativa que surgiu na Bélgica a meio da década de 90. O ecletismo e estranhesa das suas composições granjeou-lhes algum sucesso na Europa, contando com um culto considerável à sua volta na França e em Portugal, tendo já visitado o nosso país pelo menos uma dezena de vezes. Após uma pausa de 5 anos, depois de Barman se aventurar pela realização e da debandada geral de todos os membros desta banda, o novo album Pocket Revolution chegou às lojas este ano, e, apesar de manifestamente inferior, é um bom disco de Rock.

Os dEUS são conhecidos pela sua sensibilidade Pop misturada com momentos de introspecção e aquilo que eu gosto de chamar de “caos ordenado”, com todos os instrumentos a tocar para seu lado, mas compondo uma sinfonia perfeita. Gostaria de sugerir duas obras distintas deste grupo:

dEUS para nÃO cRENTES



O fantástico segundo album In A Bar, Under The Sea, de 1996. O album indispensável para todos os que se assumem seguidores de dEUS e o mais inspirado até à data. Pop, Noise-Rock, algum Punk e Disco Sound (?) compõem o trabalho. As faixas deslizam umas a seguir às outras, enquadrando-se e completando-se naturalmente. A jovialidade de Fell Off The Floor, Man pode parecer distante da sussurrada Serpentine, mas no conjunto, estas canções foram feitas para viverem juntas no mesmo cd. Todas elas. Destaque para a magnífica Roses. Uma composição esquizofrénica, que começa calmamente, nem se dando pelos instrumentos à medida que vão entrando e nos vão envolvendo completamente até nos darmos conta de estarmos a ser alvos de um ataque sonoro por todos os lados. O final deixa-nos à espera de mais. Há quem não goste. Sinceramente, não quero saber...

dEUS para cRENTES



O estranhíssimo EP My Sister is My Clock, de 1995. Originalmente pensado como um EP de 4 faixas, My Sister is My Clock acabou por tornar-se num mini-album de 13 canções misturadas umas com as outras, inseridas na mesma faixa de 20 e poucos minutos. Todos os membros dos dEUS criaram as faixas individualmente, juntando-as depois num cocktail agri-doce que pode cair mal a quem nunca ouviu falar nesta banda. Ruído, violinos, poesia em Croata, sininhos, distorção e muitas outras experiências neste workshop sonoro.. Só para fãs Hard-Core de dEUS. Destaque para Middlewave, Void e a magnífica Little Ghost, interpretada pelo membro fundador entretanto dissidente Stef Camil Carlens, o preferido das pitas, que entretanto se dedicou a tempo inteiro ao seu projecto Zita Swoon.

Com o regresso desta banda às lides discográficas, os albuns (quatro mais um EP) deverão estar disponíveis na maior parte das lojas. Se não conhecem, comprem sem ouvir primeiro! Vão odiar! E depois, vão começar a gostar um bocadinho... Mais um tempo e já gostam de uma faixa ou duas... Garanto que à quarta audição estão agarrados a dEUS! A religião é o ópio do povo, já dizia um certo senhor de barbas...

7.9.05

Banda Desenhada: Squee!

Este mês, mais uma proposta da Slave Labor Graphics (para não variar muito). Escrito por Jhonen Vasquez, a sequela de Johnny The Homicidal Maniac, Squee!



Squee foi uma personagem secundária da primeira série de Johnny The Homicidal Maniac (e última até à data, apesar de estarem planeados novos livros deste mítico ser), o típico puto tão querido que é dificil resistir à necessidade básica de lhe espetar uma faca num olho e de o abrir ao meio.

Após o desaparecimento misterioso do seu vizinho Nny, o pequeno Squee respira de alívio e espera que a sua vida regresse à normalidade... Puro engano. Logo na sua primeira aventura a solo, duas raças diferentes de extra-terrestres lutam entre si pela sua posse. Mas não é só. Mais à frente, Squee recebe uma visita de si próprio, vindo do futuro, o seu boneco de peluche revela-se uma “esponja de traumas”, absorvendo toda a maldade à volta do seu dono, e Pepito, o filho da união de Satanás com uma mulher terrestre, resolve ser o seu melhor amigo e convida-o para jantar em casa dos seus pais...



Enquanto tudo isto acontece na vida desta inocente criança, os seus próprios progenitores passam o tempo todo a ignorá-lo e a desejar que morra. A minha prancha preferida de toda esta obra é aquela em que o pai de Squee vê o video do nascimento do seu filho... Em reverse!

Squee é uma obra que pode não cair bem a toda a gente, por conter alguma violência gráfica e conceitos que vão totalmente contra as regras da moral e bons costumes... Ainda assim, a sua leitura revela-se bastante fácil, desde que se domine minimanente o inglês (esta obra não foi nem será editada na nossa lingua). Procurem o Trade Paper Back com todos os números desta mini-série (intitulado Squee’s Wonderful Big Giant Book Of Unspeakable Horrors) na Shop Suey Comics (shopsueycomics@iol.pt), Rua Barão de Viamonte nº 50, Leiria. Digam que vão da minha parte e recebam um par de estalos e insultos sortidos, totalmente grátis!

1.9.05

Livros: Diário a Rum

Hunter S. Thompson foi um jornalista completamente alucinado dos anos 60, apaixonado por motas, mulheres e drogas, muitas e variadas drogas...



Nascido em 1937, Thompson dedicou a sua vida ao jornalismo de investigação, passando por revistas tão importantes como a Rolling Stone Magazine e a Playboy. Absolutamente louco, decidiu a certa altura juntar-se ao lendário grupo de motoqueiros Hell’s Angels. Vagueou com este grupo durante meses, até os motoqueiros se fartarem da sua companhia e lhe terem oferecido uma valente surra. Após este incidente, nasce Hells Angels: The Strange And Terrible Saga of the Outlaw Motorcycle Gang, a sua primeira grande obra. Hunter acreditava que a sua experiência pessoal ajudava a sua escrita. Daí que todos os seus livros contenham inumeros pormenores auto-biográficos, e daí também a inclusão de pitorescas personagens baseadas em amigos, como o famoso Dr. Gonzo, baseado no advogado Oscar Zeta Acosta, defensor dos direitos Chicanos.



Hunter S. Thompson suicidou-se em Fevereiro deste ano, enquanto falava ao telefone com a sua esposa.

As suas obras podem ser consideradas peças jornalísticas alucinogénicas. Destaco o Diário a Rum, por querer guardar a sua obra-prima para o próximo filme de culto...

O Diário a Rum é então a experiência de um jovem jornalista Americano em Puerto Rico, no final dos anos 50. Thompson relata com precisão um paraíso Sul-Americano antes de se tornar naquilo que é hoje. Antes do Flower Power, antes da guerra do Vietname, antes das marchas de protesto e inclusivé antes do boom das drogas. Só lagostas, mulheres nuas, galinhas, voodoo, ódio (ancestral?) contra os Americanos, e Rum, Rum, Rum! Um livro honesto e bem escrito, contendo a curiosidade de ser esta a primeira obra de Thompson, apesar de só ter sido editada oficialmente em 1999!



Consta que esta obra será adaptada ao cinema por volta de meados de 2006. Entretanto, o Diário a Rum encontra-se à venda na Bertrand