4.5.07

Filmes: Manos, The Hands of Fate

Quando um filme realmente muito mau aparece no cinema ou no circuito de DVD, muitos são os que lhe atribuem rapidamente a honra dúbia de pior filme na história da humanidade. Um claro exagero, pois, ignorando toda a subjectividade da questão, um filme nunca consegue ser tão mau que não haja outro pior para comparar. No entanto, esta questão tira-me o sono e arrasta-me numa espiral descendente de mau gosto e sofrimento, sempre tentando visionar aquele que será o pior filme, não de todo o sempre, mas de toda a minha vida. E perco realmente muitas horas a ver lixo, a procurar beleza em toda a série-B propositadamente má e em todo o embuste Hollywoodesco armado em bom. E peno nesta demanda pelo meu santo Graal. Mas sinto que estou prestes a encontrá-lo. Isto porque nunca vi nada tão horrivelmente e insultuosamente mau como Manos, the Hands of Fate, e não sei se depois desta experiência traumatizante, terei coragem para procurar alguma película que ultrapasse esta bosta inglória.



Devo confessar que já sabia naquilo que me estava a meter. Já adivinhava que este seria daqueles filmes que me iriam custar a ver até ao fim. Mas a curiosidade levou a melhor, claro. Caramba, se o próprio Quentin Tarantino possui uma cópia de Manos, the Hands of Fate em celulóide, o filme não pode ser tão mau quanto isso, certo?

Errado. Completamente errado! Este filme tem tantas falhas que nem sei por onde começar. Talvez pela figura de Hal Warren. O Texano Warren foi um vendedor de fertilizantes agrícolas durante toda a sua vida. Porém, Warren sonhava que a sua vida podia ser mais do que estrume e pesticidas. Warren queria ser uma estrela, um herói, alguém que as pessoas não ligadas à agricultura admirassem, desejassem, acarinhassem! Warren queria ser realizador de cinema! E apostou com um amigo que assim aconteceria, girava a terra no ano de 1966.

Prontamente, Warren concebeu o enredo. Uma família, pai, mãe, filha e cão, viajam sem destino pela América profunda (leia-se Texas). Depois de longas horas de viagem, acabam perdidos no deserto, vendo-se obrigados a pernoitar numa estalagem guardada pelo deformado Torgo, que passará a totalidade do filme a tremer, gemer maleficamente e repetir até à exaustão "The master would not aprove".

Torgo = Brad Pitt

O Mestre de Torgo viria a revelar-se ser uma criatura demoníaca, vestida de robe com umas grandes mãos vermelhas pintadas e um malvado bigode à Mariachi. O Mestre dormiria longas sonecas, guardado pelo seu harém de esposas defuntas. Com a chegada da família aos seus domínios as esposas discutem sobre o seu destino. Uma das esposas, supostamente a favorita do Mestre, manifesta-se claramente contra o assassínio da criança mais nova. Entretanto, Torgo tenta seduzir a matriarca da família. O Mestre acorda do seu sono de beleza e encontra o seu séquito envolvido numa terrível luta (na verdade, as esposas limitam-se a rebolar umas por cima das outras), e toma uma decisão: O pai e o cão têm os dias contados, a mãe e a filha serão suas mulheres. Não importa que a filha não tenha mais de 8 anos, o Mestre ama todas as mulheres (é o próprio que assim o afirma). O Mestre encarrega-se também de castigar a sua esposa preferida e o próprio Torgo pela sua desobediência, numa das cenas mais intensas do filme, em que o patrão e o subordinado se enfrentam violentamente (com toda a violência que o acto de fitar intensamente alguém sem piscar os olhos acarreta, claro).


Lairai, lararai lalarairai... Y viva España!


Pelo meio do filme haveriam também vários planos de um casal de adolescentes dentro de um carro na marmelada, sem nada de válido para acrescentar ao enredo. Só porque sim.


Rapaz: Cá estamos...
Rapariga: É a vida...
Rapaz: O que estamos aqui a fazer neste filme?
Rapariga: Ninguém sabe, é um mistério! Agora beija-me e ignora a claquete que ficou esquecida na margem direita deste plano.



Escrito o argumento, faltam os actores. Num golpe de génio, Warren contrata-se a si próprio para o papel de pai de família. Os restantes actores seriam encontrados em companhias de teatro locais e agências de modelos. O seu salário seria pago com as receitas do filme. Warren tornaria milionários todos aqueles jovens actores, tal era a sua confiança em Manos.

O processo de rodagem correria na perfeição. Warren havia adquirido uma câmara de 16mm, sem tripé, e que permitia apenas filmar 30 segundos de cada vez. É impressionante como se conseguem filmar 10 minutos de deserto na cena inicial do filme SEM SE PASSAR RIGOROSAMENTE NADA DE RELEVANTE! Isto porque Warren se esquecera de adicionar aos cactos e areia os créditos iniciais. Apenas um pormenor.

A iluminação de filme seria completamente natural. O que significa alterações de cores de um plano para o outro. E que significa também que as cenas filmadas de noite seriam iluminadas por faróis de automóveis. Faróis esses que atraem traças. Traças essas que passam todas as cenas nocturnas a embater contra os actores e a câmara. Apenas outro pormenor.

Uma câmara de filmar tão espectacular como uma 16mm sem tripé que filme apenas 30 segundos de cada vez teria de vir com um senão: a câmara não captava som. Warren teve de contratar todo um grupo de pessoas (3 ao todo) para dobrar o filme. Em mais um rasgo de genialidade, o próprio realizador resolve dobrar as vozes da maior parte das personagens masculinas do filme, utilizando sempre o mesmo tom de voz monocórdico, o que acabaria por transformar os diálogos em monólogos. Torna-se difícil de perceber quem está a dizer o quê quando estão dois homens em cena. Daí que os diálogos tivessem de ser reduzidos ao mínimo, apostando na repetição de falas para reforçar a ideia. Não resisto a fazer um resumo (alargado) dos diálogos do filme:

Pai: Estamos perdidos no Deserto.

Mãe: Vamos parar ali naquela casa sinistra.

Torgo: Não podem ficar aqui nesta casa sinistra. The Master would not aprove. Bem, afinal podem ficar.

Mãe: Aquele quadro é sinistro.


Van Gogh would not aprove.


Torgo: Não toquem no quadro. The Master would not aprove.

Cão: Béu béu.

Filha: Vou correr atrás do cão e perder-me no deserto a meio da noite.

Torgo: Espera. The Master would not aprove.

Pai: Vou atrás da filha. Olha uma cobra sinistra. Pum pum, pronto, matei a cobra a tiro.

Polícia #1: Vamos investigar a origem daqueles tiros.

Polícia #2: É melhor não nos afastarmos muito do carro. Está escuro como bréu e o carro não tem bateria suficiente para ficar muito tempo com os faróis acesos. Além disso, as traças estão-me a comer a roupa toda.

Torgo: Mulher, eu sei que The Master would not aprove, mas quero que largues o teu marido e fiques comigo para sempre!

Mãe: Larga-me, Torgo. És sinistro!

Esposa Favorita do Mestre: Salvemos a rapariga pequena e matemos os restantes.

Esposa do Mestre #4: Não, matemos toda a família!

Esposa Favorita do Mestre: Não, salvemos a pequena.

Esposa do Mestre #3: Não! Matamos todos e pronto!

Esposa do Mestre #2: Acho que para isto ficar resolvido teremos de rebolar por cima umas das outras.

Mestre: Silêncio, esposas! Eu fico com as duas recém-chegadas. Eu amo todas as mulheres, até as de 8 anos! Tu, esposa favorita, para te castigar pela tua desobediência, irei prender-te a um poste não fazer nada de especial contigo. A ti, Torgo, o teu castigo será ficar a olhar para ti sem pestanejar durante 2 minutos. Para veres como sou mau. Ah, e mais lá para a frente queimo-te uma mão!

Mulher: Ah, sinto-me sinistra!

Marido: Ah, sinto-me sinistro!

Filha: Ah, sinto-me sinistra e também ligeiramente explorada neste filme moralmente ambíguo!

Mestre: LOL (mas um LOL maléfico)!

Pai: Fiquei com o emprego do Torgo, enquanto a minha mulher e filha menor de idade satisfazem os desejos do Mestre. Entrem, forasteiros, mas fiquem sabendo que The Master would not aprove!

FIM


Com o filme concluído e as cenas editadas (vozes dobradas, créditos finais e já está), Manos, the Hands of Fate estreou com pompa e circunstância em El Paso, Texas. O realizador e actores chegaram à estreia de limosine e fato de gala. Com o orçamento cada vez mais apertado, os fatos tiveram de ser alugados e a limosine daria várias voltas ao quarteirão, apanhando o elenco e equipa técnica ao ritmo de 4 pessoas por viagem, para que ninguém envolvido nesta mega-produção chegasse a pé à estreia. O filme começa a rodar, a antecipação cresce. Momentos de silêncio. Seguidos de momentos de indignação. Seguidos por momentos de perplexidade. Seguido por um longo momento de gargalhada geral até ao final da película. A meio da projecção, realizador e actores já haviam saído pela porta dos fundos, cobertos de vergonha e humilhação.

Para aumentar ainda mais o mito em torno de Manos, The Hands of Fate, uma curiosa sucessão de eventos trágicos envolveram grande parte da equipa associada a este épico. O realizador caiu em desgraça e cometeu suicídio (consta que andou permanentemente pedrado durante a rodagem de Manos, o que desculpabiliza em parte a falta de coerência entre cenas, planos e diálogos). Alegadamente, 3 das "actrizes" faleceram também pouco depois da estreia de Mãos, as mãos do destino, prova final e irrefutável de que afinal o arrependimento mata mesmo.

Resumindo: Manos é longo, chato, com diálogos monossilábicos intercalados com grandes planos de caras inexpressivas, mal filmado, mal dobrado, mal editado. Tudo de mau. Inacreditavelmente mau. Não sei se este é o pior filme de todos os tempos, mas nenhum outro alguma vez me conseguiu arrancar tantos "como é possível?" da minha boca e seguramente depois desta experiência prefiro arrancar a planta do pé esquerdo com uma tesoura a ter de voltar a ver isto. Estou satisfeito e finalmente conseguirei dormir descansado! Obrigado, Hal Warren!


Trailer (remake):

5 comentários:

  1. O filme pode ser uma bosta, mas este post não! Os diálogos! Que classe! Adorava ver o filme só para ver as traças nas cenas nocturnas!

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  2. As traças é qualquer coisa que sim senhor! "The master should not approve..."

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  3. Parabens pela critica.
    Desconhecia por completo esta relíquia mas como gostei tanto, andei a investigar mais sobre o filme.

    http://pt.wikipedia.org/wiki/Manos:_The_Hands_of_Fate

    Alguem sabe onde posso arranjar o filme?

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  4. Trinca Espinhas:

    Ou tens uma sorte desgraçada e encontras o Manos na Fnac (pouco provável), ou encomendas online na amazon, ou então sacas dos Torrents. Está lá tanto a versão integral do filme como a versão Mistery Science Theater 3000, que, essa sim, vale toda a pena ver.

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  5. Eu copiei o filme no mininova depois de conehcer a historia do filme, e depois de assistir eu tenho que concordar com Quentin tarantino, esse é um dos filmes mais engraçados que eu ja assisti!

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