22.9.10

Filmes: The Devil and Daniel Johnston

Daniel Johnston. Quem não gosta, diz que é uma aberração. Quem gosta, diz que é um génio. Não há meio termo. Originalmente, pendi para a primeira hipótese, até entender que Daniel Johnston era muito mais do que músicas mal cantadas e mal tocadas. Pegando e adaptando a frase d'O Princepezinho, o essencial é inaudível para os ouvidos, e conseguindo-se escutar para lá das camadas de crueza doentia e genuíno lo-fi, encontram-se melodias deliciosas que nas mãos de gente mais capaz tornam-se grandes malhas, como se Daniel fosse o mineiro, bruto, feio e retardado que retira o carvão do buraco, para este se transformar em safiras quando chega às mãos dos ourives...

Um amigo meu que pende também para a primeira opção descobriu a existência do filme The Devil and Daniel Johnston, de 2005. Já tendo visto o filme e gostado bastante do mesmo, e com a esperança vã de também fazer com que a opinião deste meu amigo em particular se altere um bocadinho, apresento as minhas impressões sobre o documentário.



The Devil and Daniel Johnston é o apontamento biográfico de um artista Norte-Americano maníaco-depressivo com mania de grandeza, retratando o equilíbrio precário entre a loucura e a genialidade, com uma precisão mórbida alcançada por intermédio de cassetes de vídeo e áudio que o próprio Daniel gravou ao longo de toda a sua vida. Tudo servia para ser gravado: discussões com os pais, canções, orações, conversas de desconhecidos... Numa das partes mais perturbadoras do filme, Daniel desaparece a meio de uma sessão de gravação com os Sonic Youth, após ter sido preso por profanar a Estátua da Liberdade, e chegamos mesmo a ouvir os relatórios policiais, gravados pelo próprio no auge do seu delírio esquizofrénico.

O documentário conta-nos então a história de um artista com imenso talento aprisionado numa mente confusa, um garoto que cria melodias lindas com um orgão de plástico e um gravador estragado, um pianista muito capaz que abandona o piano e insiste na guitarra que simplesmente não sabe tocar, uma pessoa feliz, cheia de vida e com uma alegria contagiante, um fundamentalista católico que acha que todos os seus problemas são causados por Satanás, um artista plástico competente que expõe os seus quadros nas melhores galerias de arte, um ser frágil e doente que só quer ser deixado em paz, um génio que se coloca no mesmo patamar que os Beatles, um mau cantor com letras entre o pateta e o brilhante, uma pessoa com tanto para dar e transmitir que literalmente perde o juízo ao tentar partilhar tudo o que tem com o Mundo, um ser perturbado e violento, um louco preso a uma camisa de forças num asilo enquanto Kurt Cobain sai à rua com um T-Shirt com a capa de "Hi, How Are You?" e subitamente toda a gente pergunta "Quem é Daniel Johnston?"

A minha parte favorita do filme é quando a MTV vai à localidade de Daniel e este, agarrando a sua oportunidade, passa o dia inteiro a chatear os produtores da estação, mostrando a sua cassete e falando da mesma com entusiasmo a cada minuto, até que finalmente o deixam actuar em directo para toda a nação. Uma vitória, um momento de glória, felicidade genuína. Se o filme acabasse neste momento teria um final em cheio.

Mas, tal como a vida, The Devil and Daniel Johnston prossegue e acompanhamos o declínio mental de Daniel, perturbador e confuso, até ao actual estado sedado, mas feliz e funcional, rodeado por quem lhe quer bem. Há uma preocupação verdadeira que transparece para o público: o que será deste gentil gigante quando os seus pais, que sempre o acompanharam, falecerem? Este receio agudiza-se quando tomamos conhecimento do falecimento da sua mãe, no passado dia 16 deste mês.

The Devil and Daniel Johnston é um filme que nos faz rir, que nos comove, que nos leva a pensar sobre as nossas vidas, que nos assusta, que nos toca se o nosso coração estiver no sítio certo. Filme importante, melhor, essencial para qualquer fã de música dita independente. Artistas torturados do Mundo, vejam The Devil and Daniel Johnston e ganhem vergonha na cara!

Daniel Johnston = Génio.


Trailer:

1 comentário: