10.6.11

Primavera Sound 2011, Parte 4 de 4

(Todas as fotos que aparecem nos meus posts relacionados com o Primavera Sound provém do site Polaco Popupmusic.pl.)

(Para melhor usufruto desta Post, deixo-vos uma compilação com as bandas que vi no dia 28.)



28/5 - Parc Del Fòrum


O Primavera Sound testa a resistência física de quem corre por amor à música, e, mesmo muito preparado que estivesse para a estafa, após quase uma semana de abusos alcoólicos, caminhadas gigantescas e horas a fio em pé ou aos saltos, finalmente quebrei. Atribuo a quebra não a estes factores, no entanto. Tudo isto se aguenta bem depois de umas horas de sono de qualidade. Acontece que na manhã de 28, dormi mesmo muito pouco. Tenho o sono levíssimo e qualquer movimento que os meus companheiros de quarto no hostel fizessem era o suficiente para ficar 15 minutos de olhos abertos. Fica o ensinamento, quem se propor a cumprir um festival da envergadura do Primavera Sound nunca pode descurar o sono. Dormir o dormir é tão importante como comer o comer.

Felizmente tenho um bom amigo na pessoa do Renato, que me arrastou literalmente para o Parc del Fòrum, a tempo de um dos concertos que mais queria ver e que perderia de outra forma (obrigado cumpanhêrre), The Tallest Man on Earth. O baladeiro Sueco era precisamente aquilo que necessitava para o início de festa, com a sua guitarra acústica a tiracolo perfeitamente suficiente para encher o palco. Kristian Mattson é dono de uma voz peculiar, que pode custar a escutar de inicio, mas com uma qualidade inegável. Sem estabelecer um paralelismo de timbre, faz lembrar as primeiras vezes que se escuta Dylan. A sua postura em palco bebe também muito da inspiração do mestre Norte-Americano. Inesperadamente (para mim), o senhor mais alto do mundo que afinal nem é assim tão alto trouxe banda para secundá-lo num par de temas que fazem parte do novo EP, mas foram as canções de The Wild Hunt que deliciaram os presentes. King of Spain, como não poderia deixar de ser, resultou muito bem, Love is All aqueceu-me a alma recentemente dorida e em You're Going Back, duas meninas beijavam-se ternamente mesmo à minha frente, enquanto bolinhas de sabão sobrevoavam sobre nossas cabeças. Balsâmico.

Seguidamente, palco Pitchfork, para um cheirinho da actuação dos Cloud Nothings. Praticantes de um Rock lo-fi que ao vivo trouxe à memória a atitude duns Arctic Monkeys dos primórdios, este foi mais um concerto muito bom, com a populaça a aderir energicamente à urgência das guitarras. Infelizmente, o vento que se fazia sentir na altura levou parte da música para o Mediterrâneo, pelo que algures no mar estão neste momento sereias e tritões a dançar alegremente ao som dos Cloud Nothings numa festa de garagem sub-aquática.

Antecipava o concerto dos Papas Fritas, o primeiro da sua segunda vida (na verdade o segundo, pois horas antes haviam tocado de graça no Parque Central de Poblenou). Pessoalmente, foram a grande desilusão do Primavera. A culpa até pode nem ter sido deles, eu apenas tive uma brutal quebra de energia (a última do dia, felizmente) e não me consegui mexer durante parte da sua actuação. Em abono da verdade, os Papas Fritas nem estavam a dar muito de si no concerto, e o som não estava mesmo nada bom, pelo que achei prudente abandonar o palco Ray Ban a meio da actuação e procurar algo mais estimulante ao vivo. Adeus Papas Fritas, vemo-nos nos discos.

Encontrei então o estímulo que procurava na actuação de tUnE-yArDs, nome de guerra do projecto da Inglesa Merrill Garbus, dona de um visual andrógeno e voz masculina, que me fez duvidar do seu género até chegar ao palco. Foi mais uma agradável surpresa do festival. A intrigante sonoridade estimulou-me a curiosidade para descobrir mais. Socorrendo-se de gravações vocais em loop, feitas na hora, Merrill soube construir tapeçarias sonoras riquíssimas. Experimental, Freak Folk, vibrante, novo e excitante, a ter em conta no futuro! Aproveitem a dica e procurem já o disco mais recente, w h o k i l l, que é divinal.



No palco San Miguel Mijo havia já uma grande concentração de barbas quando lá cheguei, tanto no público como no palco. Altura de dar atenção aos Fleet Foxes. Os "lenhadores" trouxeram um alinhamento bem equilibrado contendo tanto as canções que lhes deram fama do seu disco homónimo como novidades do fresquíssimo Helplessness Blues. Com uma sonoridade a remeter para o imaginário campestre e o bucolismo de uma vida sonhada no meio dos animais e natureza, a música dos Norte-Americanos possui também uma sensualidade à qual nunca tinha prestado atenção mas que ali, com a amplificação e cenário envolvente, ganhou papel principal. As vocalizações são o ponto forte desta banda, com uma harmonia perfeita, patente no seu grande hit, White Winter Hymnal, mas também nos excelentes temas novos, destacando Battery Kinzie e Grown Ocean. E, não sendo novos, Ragged Wood foi ponto alto, e Mykonos, altíssimo.

Entretanto já decorria o concerto dos The Album Leaf, prodígio electrónico ambiental guiado por Jimmy LaValle, colaborador ocasional de gente como os Sigur Rós. Muito bonito e etéreo, relaxou os espíritos de quem fez do palco ATP sua guarida por alguns minutos. O único senão do concerto foi o volume sonoro das cordas, que teriam tido maior impacto se fossem ouvidas um nadinha mais alto. De resto, mais um belíssimo momento musical, de tantos que já se vivera. E ainda estavam mais para chegar!

Einstürzende Neubauten. Post-Industrial Alemão, conduzido pela mão de Blixa Bargeld, antigo Bad Seed, senhor de um sentido de humor caustico (Good evening, non-football fans, dizia ele, enquanto que uma boa parte da audiência perdia tempo a olhar para o ecrã gigante de outro palco para ver uma final qualquer do jogo da bola entre a equipa local e outra de Inglaterra). Apesar desta banda me ser recomendada várias vezes, nunca me tinha predisposto a escutá-la, pelo que aproveitei a oportunidade para ver o que andava a perder. Imenso, aparentemente. Um concerto muito intenso, cheio de parafernália, com discos riscados, berbequins, tubos enormes e um sem-número de artigos de bricolage aproveitados sonoramente para criar um cenário de caos alucinante! Nota positiva para a atitude da banda, que produzia bootlegs do concerto a preço convidativo, para os fãs da banda. Auto-piratas.

Novamente com o coração apertado por ter de abandonar a excelente actuação dos Einstürzende Neubauten, mas os Gang Gang Dance eram daqueles que não iria perder por nada, não depois de ter escutado com tanta atenção o recente Eye Contact. Com o regulador de acidez no vermelho, a actuação do colectivo Avant-garde foi uma grande experiência de psicadelismo primal. Quem a esta banda se deixou entregar, esqueceu as fronteiras corporais e mentais, nada interessa, o vizinho do lado não existe, só tu e a música. As vocalizações são surreais, humanamente impossíveis, lindas. Para ajudar à festa, quem por acaso estivesse a curtir um LSD, além da música ainda levava com dois performers de bónus, um ninjer cambalhoteiro e um senhor Asiático cuja função era passar o concerto a andar de um lado para o outro com um pau que tinha um saco plástico preto na ponta. Loucura! Depois de grandes momentos como Glass Jar ou Adult Goth, só ficou mesmo a faltar o soberbo e muito aguardado single, Mindkilla, pelo que da próxima vez que os vir terei de dançar essa música com duas vezes mais afinco.



Um oceano de cabeças acumulava-se no palco principal do Primavera Sound, a fim de ver a actuação de PJ Harvey. Muita antecipação no ar. Já tinha visto o webcast da actuação de Polly Jean no festival Coachella, pelo que sabia o que esperar: um alinhamento baseado no recente Let England Shake, album que tanto tem canções excelentes (Let England Shake, The Words That Maketh Murder, The Last Living Rose) como outras tantas francamente más (Written in the Forehead,The Glorious Land). Assim, o concerto resultou algo desequilibrado, e a falta de entrega (ou arranjos desadequados) em canções mais antigas como C'mon Billy, Down By The Water ou The Sky Lit Up não ajudou. A fase actual de PJ Harvey não será a mais interessante da sua carreira, mas ainda assim poder vê-la ao vivo nunca é algo que se enjeite.

A seguir, mais dois concertos excelentes à mesma hora, o que significou nova divisão do grupo. Fui com o Renato a Mogwai, enquanto que o Cristiano foi a Swans, e isto é o que ele tem a dizer sobre o assunto:

"Ouvia falar dos Swans há já quase 20 anos mas nunca lhes prestei atenção. Duas faixas após me sentar na bancada do Ray-Ban já não conseguia deixar de olhar hipnotizado para aquele palco no qual eram debitados sons com uma potência arrasadora. Fosse devido a Michael Gira com a sua voz por vezes animalesca e a potência com que dedilhava a sua guitarra, ou pelos dois percussionistas/bateristas, que atacavam os seus instrumentos como se aquela fosse a última noite da Terra, com um sentido de ritmo perfeito até à exaustão. Assim como os outros membros da banda entre baixo, guitarra e teclados, que destinavam a este ser um dos concertos mais falados do cartaz. Este concerto foi para mim o momento mais duro (elogio) e intenso do festival. A música parecia saída de um túnel na minha direcção a uma velocidade vertiginosa, sem que eu tivesse uma qualquer saída (nem queria). No final fiquei com a sensação que os Swans em palco soam como algo impossível de repetir em disco. Arrasadores!"

Quanto a mim, nem pintado perderia a actuação dos Mogwai (ou a banda dos carecas, carinhosamente apelidados assim pelo Renato). E num festival com tanto sumo é idiota procurar eleger a melhor actuação. Digamos que algumas actuações tiveram em mim efeitos mais fortes que outras, e que a dos Escoceses deixou uma impressão e pêras! Talvez por estar situado praticamente na fila da frente. Talvez porque uma luz amarela apontava permanentemente para os meus olhos, que mantive fechados durante quase todo o concerto para apurar melhor a minha audição. Talvez pelas novas composições de Hardcore Will Never Die, But You Will, definitivamente por malhas antigas como Auto Rock e Travel is Dangerous. Tudo excelente, tudo perfeito. E depois, Mogwai Fear Satan e eu tornei-me no petiz mais afortunado do Mundo, por estar ali, a sentir o vento dos amplificadores, a viver o momento, fisicamente ligado à música, degustando o meu hino Post-Rock. Obrigado Mogwai, obrigado Primavera Sound, são momentos deste calibre que fazem com que valha a pena andar pelo Mundo...

A encerrar o palco principal, uma simpática moldura humana esperava os Animal Collective, criadores de autênticas frigideiras sonoras que me meteram o cérebro a escorrer pelo nariz. Os celebrados Freak-Folkers/Psicadélicos/What-the-fuck-is-that-music conseguiram a proeza de meter toda TODA toda a gente a dançar, mesmo com um alinhamento praticamente desconhecido. Deakin, que tirara umas férias do colectivo animalesco precisamente na altura de maior sucesso com o disco Merryweather Post Pavillion, regressou, trazendo novas ideias, e, como habitual, a banda pensa tanto à frente que apresentou ao vivo praticamente só canções novas, sem título, sem referência, para quem as quiser apanhar. Os regressos ao passado deram-se muito pontualmente. Did You See The Words? no início, Brothersport a meter tudo aos saltos a meio. Tivessem trocado duas canções novas menos empolgantes por 2 antigas e o concerto teria sido muito melhor. Assim, apesar de muito bom espectáculo, ficou aquém do potencial que o público merecia. Prova disso foi o arrasador final, com We Tigers a servir de alucinogéno natural (tigertigertigertigertigertigertigertigertigertiger) e logo a seguir Summertime Clothes e já ninguém é dono de seus corpos. O público ficou a desejar e a merecer um encore que não chegou, pelo que o meu Primavera Sound terminou com nota altíssima mas a saber a pouco (incrível, não é?).



Apesar do meu festival ter terminado, ainda havia muita festa a decorrer. A restante crónica está a cargo do Cristiano, que, juntamente com o Renato, representaram-me no resto do certame.

"Tinha decidido que os The Black Angels seriam a última banda desta última noite no Parc Del Fòrum. E assim foi. Já ouvia o seu mais recente disco há já alguns dias e desde a primeira escuta fiquei com vontade do que seriam capazes estes senhores em palco. Dei conta que tinham sido a única banda nova a "fazerem Rock à antiga" nesta edição do festival. Por ali andaram os Led Zeppelin (sem as roupas pirosas de outros tempos), os Doors e o Jim Morrisson (mais sóbrio que o costume), juntamente com os Black Keys ou os Black Rebel Motorcycle Club. Apesar destas referências os Black Angels mostraram ainda assim que, entre o passado, o presente e o futuro, já têm o seu próprio som, o som de uma verdadeira banda de Rock'n'Roll."

29/5 - Poble Espanyol e Apolo

"O Primavera estava quase no fim, e não podia faltar provavelmente à única oportunidade de assistir ao concerto dos Mercury Rev, no qual o "Deserter's Song" seria tocado na íntegra, tornando a despedida do “melhor festival do mundo” (tal como disse o vocalista Jonathan Donahue), menos dolorosa. Com algumas e excitantes novas roupagens, os Mercury Rev foram apresentando cada tema do álbum com a graciosidade e a força que podemos escutar naquela rodela obrigatória nas discografias de alguns, talvez o álbum mais importante na carreira da banda. Foram obviamente bastante aplaudidos, regressando ao palco para nos brindarem com um pequeno encore, finalizando com a magnífica “The Dark Is Rissing”.

Esta noite já tinha decidido ir embora após o concerto dos Mercury Rev, mas a festa de encerramento na Sala Apolo apenas a umas poucas paragens de metro, era a excelente oportunidade de ver os Black Angels mais uma vez mas agora numa sala fechada. Por isso perninhas ao caminho.

Fila enorme para entrar nesta sala mítica de Barcelona, que rápido se dissipou após abertura de portas. Com aspecto de teatro antigo, iluminada essencialmente por luzes vermelhas, com uma pista principal rodeada de mesas e cadeiras bem “coladas” nas laterais, todo o espaço rapidamente encheu. Após uma pequena vista de olhos pelos 2 pisos, onde diferentes djs escolhiam temas bem recebidos pelos presentes, dá-se início ao concerto. Som perfeito, atitude perfeita, público ao rubro. As referências que eram evidentes na noite anterior foram-se dissipando e naquele momento os Black Angels soavam completamente a si próprios e agora sim, no espaço ideal com um público completamente rendido ao espírito rock’n’roll, mostraram muito bem do que são capazes e fizeram com que eu procurasse nos próximos dias o resto da discografia da banda.

Os Simian Mobile Disco de certeza incendiariam mais tarde a pista da Apolo, mas para mim ficava por ali a 11.º edição do Primavera Sound. (n.r. já para o Renato estava longe de terminar, ainda papou os Simian e os DJs de ambas as salas. Sempre até à última, este garoto) Jurei a mim mesmo que para no próximo ano o regresso a casa será um dia mais tarde..."

Primavera Sound 2011, considerações finais


Apesar do fiasco vergonhoso do Portal, este foi um festival quase demasiado bom para ser verdade, e não apenas pela absurda quantidade e qualidade das bandas presentes. No metro, ainda extasiado pelos concertos magníficos do dia em questão, conversava com um amigo ocasional Inglês, que resumiu o espírito do Primavera na perfeição. O cartaz é de sonho, mas muito específico sonoramente, e atrai uma quantidade de pessoas que geralmente se vêem sozinhas entre os seus amigos ou pares por não encontrarem muitos pontos musicais em comum. Quando a oportunidade de ver praticamente tudo o que gostam surge, toda esta gente quer aproveitá-la ao máximo, desfrutar, agarrar o momento, e guardar esses sentimentos consigo até à próxima edição. É por isso que toda a gente conversa entre si, todos brincam uns com os outros, todos dançam com todos, desconhecidos abraçam-se a meio de concertos, cheios de felicidade que pode e deve ser partilhada com o vizinho, Espanhóis, Sul-Americanos, Norte-Americanos, Portugueses, Holandeses, Italianos, Britânicos. Tudo irmão, tudo boa onda, tudo amigo, tudo ali pela música e apenas a música. É esse o feeling do Primavera Sound, e é o que certamente me fará voltar sempre que puder a partir de agora. Um grande agradecimento aos meus companheiros de aventura, Renato e Cristiano, não poderia ter escolhido melhor companhia nem num milhão de anos! Em 2012 há mais!

1 comentário:

  1. muito obrigado eu Carlos pela vossa companhia, foram dias verdadeiramente especiais. grande abraço e um até já... ;)

    ResponderEliminar