1.2.06

Livros: Casei com a Minha Irmã

Eurico A. Cebolo é um homem que dedicou toda a sua vida à música. Segundo a sua biografia oficial, iniciou-se musicalmente em Moçambique aos 16 anos tendo ganho variados prémios durante o período em que residia por África (Ganhou o prémio de melhor canção portuguesa no Festival Hispano-Português de Aranda del Duero de 1962, vejam lá). Porém, em 1975, Cebolo teve um azar. O carro em que seguia embateu de frente contra um camião, morrendo-lhe o primo e reduzindo a capacidade da sua mão direita em 50%. Perdeu-se um músico-concertista, ganhou-se um chato do caraças!



Após o acidente, Cebolo virou-se para o ensino musical, para mal dos nossos pecados. São de sua autoria livros como o Solfejo Mágico, Música Mágica, Piano Mágico, Arpejo Mágico, etc, etc, etc, etc... E toda a santa criancinha nos anos 80 sofria a aprender música com os livrinhos do Cebolo... E é engraçado como hoje em dia ninguém sabe o que fez aos malditos livros, autênticas peças kitsch! Ora vejam bem as capas de dois exemplares bem afamados...





Não contente com o facto de nos torturar com a porcaria do Solfejo Mágico e afins, Eurico A. Cebolo virou-se para uma carreira como romancista, carreira essa em que teve muito menos sucesso... Romances com nomes como O Falo Perdido ou O Violador das Mortas deviam fazer parte das estantes de toda a gente... O livro analisado hoje intitula-se Casei Com a Minha Irmã!



Bem, sinceramente, por muito que poderia escrever aqui, nunca seria capaz de fazer justiça à magnitude desta obra de Cebolo. Assim sendo, nada como o próprio Cebolo para descrever esta obra. Aqui vai o texto incluído no prefácio:

"CASEI COM A MINHA IRMÃ" é um romance onde o espírito criador, a capacidade de imaginação e a grande versatilidade cativam o leitor que, entrando nesta teia tão bem urdida, estará sempre ansioso pela página seguinte. Num estilo muito próprio, sóbrio e sem quaisquer rebuscamentos, deliciamo-nos com a pureza de linguagem de um Eça, a fecundidade de ideias de um Camilo e o encanto e simplicidade de um Torga. Em "CASEI COM A MINHA IRMÃ" é burilada uma estória que poderia ser verídica e ter acontecido em qualquer tempo e lugar. Maria Alice perdeu a mãe, tragicamente, e apaixona-se pelo filho da patroa, que a expulsa. Mais tarde é dada como morta no desastre ferroviário de Alcafache e o rapaz que a desonrou casa com a própria irmã."

Não estão ainda convencidos da qualidade de Casei Com a Minha Irmã? Convido-vos então a ler este pequeno excerto:

"[Maria Alice] embrenhada nestes tristes pensamentos, e sem saber que rumo dar à vida, nem se apercebeu que um indivíduo com todo o aspecto de marginal se sentara no mesmo banco que ela ocupava e a mirava, descaradamente. Receosa, olhou de soslaio tentando descortinar as intenções do homem; este, como se lesse o seu pensamento, logo lhe tirou qualquer dúvida com as palavras que lhe dirigiu:

- Olá, pombinha! Esperavas alguém que te fizesse companhia? Tens sorte, já que eu ando à procura duma chavala que queira curtir comigo. Manjei logo que és boazona e se quiseres alinhar numas curvas não te arrependerás porque eu sou capaz de dar a volta ao capacete à mais pintada - falando assim o tunante foi-se aproximando até se encostar a ela.

A rapariga, cheia de medo por aquilo que escutara e pelo mau aspecto do rapaz, fez menção de levantar-se suplicando:

- Por favor, deixe-me em paz. Engana-se no que pensa de mim. Sou uma moça séria a quem a desgraça bateu à porta.

- Ora, minha linda, sem tangas; dizeis sempre isso, mas andais sempre todas ao mesmo; eu já topo o vosso paleio - e o vadiola pôs-lhe um braço pelos ombros.

Revoltada, ela pregou-lhe um safanão e aproveitando o seu desequilíbrio correu para fora do jardim. Olhou para trás, e vendo que ele não desistia de a perseguir, na ânsia de lhe escapar, imprudentemente, tentou atravessar a rua. Em tão má hora que foi colhida por um automóvel que circulava a grande velocidade. Ouviu-se uma travagem brusca acompanhada de estridente chiadeira de pneus. Tudo em vão e num ápice, já que o condutor não conseguiu evitar o acidente. O choque deu-se com muita violência. O corpo da desditosa criatura, projectado alguns metros pelo ar, estatelou-se no outro lado da larga via..."


Qual Eça, qual Torga, qual Camilo! Eurico A. Cebolo ao Panteão Nacional!


Encontra-se à venda aqui

9 comentários:

  1. Achei fabulosa a tua escavação arqueológica e o teres desenterrado a história de vida de Eurico Cebolo. Não o conhecia. São estas peças que nos ajudam a completar o puzzle do passado.
    Parabéns tb pelo blogue. Está interessante e espirituoso.

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  2. Num sei onde descobres estas coisas, mas ha certas coisas que deviam continuar enterradas.

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  3. Quando parar de rir (e de me deliciar com este post) faço um comentário

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  4. Confesso que nunca li nada do senhor, mas o meu título preferido é "A Prostituta Virgem"! Parece-me título de um tratado filosófico sobre paradoxos... Também nunca tive aulas de música pelos livros dele. Mas porque raio é que na capa há animais a tocar instrumentos?

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  5. eheheh, ós anos k nao ouvia falar desse senhor.. eu tinha um livro dele "flauta mágica"... do clube de flauta em k eu andei na 4ª classe... agora kem diria que o autor de livros com musicas tao tradicionais e candidas publicaria livros com titulos tao sugestivos.

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  6. LOLOLOLOL!
    fogo deve ser o pai do Graciano Saga esse gajo!

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  7. Vai ver isto


    http://desblogueadordeconversa.blogspot.com/2006/02/momento-de-puro-saudosimo-para-quando.html

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  8. HAHAHA
    Quem não conhecia o cromo da "Flauta mágica" (entre outros)? Não conhecia era a sua obra...
    ;)

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